No longínquo início dos anos noventa eu era professor de Economia Monetária, e costumava colocar a seguinte questão para meus alunos: você prefere ganhar um carro novo agora ou daqui a dois anos? Como esperado, todos queriam receber o prêmio o quanto antes. Se decidissem esperar para ganhar o carro novo estariam sujeitos a dois riscos: o primeiro é não estarem vivos no futuro e o segundo é de quem lhe prometeu o prêmio não conseguir cumprir o acordo. Com esta pergunta eu iniciava a explicação sobre juros.

Tendemos a querer sempre consumir imediatamente. Porém, para a sociedade se desenvolver, é preciso investir. E, para investir, é preciso poupar, ou seja, deixar de consumir hoje em favor de um consumo futuro. Desta forma, a sociedade precisou criar mecanismos para estimular a decisão de abandonar temporariamente o consumo em favor da poupança. Este mecanismo é chamado de juros.

Se as pessoas quisessem consumir antes para pagar depois, precisariam pagar uma taxa de juros, que funciona como uma punição para este comportamento prejudicial ao crescimento econômico. Se decidissem abandonar o consumo presente em função do consumo futuro, iriam ganhar um prêmio através dos juros recebidos.

Diferentes pessoas têm diferentes propensões a poupar. Algumas pessoas tendem a exigir prêmios (juros) muito maiores do que outras para esperar. Da mesma forma, algumas pessoas se dispõem a pagar juros maiores do que outras para consumir hoje o que só poderão pagar no futuro.

Considerando que todos os juros pagos na economia fossem idênticos e que o risco de não pagamento fosse zero, existiria uma taxa de juros que equilibraria a oferta e a demanda de crédito, bem como as necessidades de investimentos da economia. Mas em uma economia real existem tomadores de crédito que podem não ter condições de honrar o pagamento na data futura e que precisam pagar juros maiores do que os da taxa de equilíbrio. E existem pessoas dispostas a correr o risco de não receber para poder ganhar mais.

Pode-se dizer que existem dois componentes nos juros: um é o prêmio pela postergação do consumo, e outro que remunera o risco corrido. Quanto menor for a taxa de juros pela postergação do consumo (risco de não pagamento nulo), maior será o número de pessoas dispostas a correr riscos para ganhar mais.

Da mesma forma que existem pessoas com maior propensão à poupança, também existem pessoas com maior ou menor propensão ao risco. Fatores sócio-culturais e econômicos e as expectativas em relação ao desempenho futuro da economia influenciam tanto na propensão à poupança quanto em relação à propensão ao risco.

Quando eu lecionava Economia Monetária, ao contrário de hoje, a possibilidade de juros negativos era apenas uma construção teórica, geralmente relegada ao rodapé dos textos acadêmicos, e o Brasil pagava taxas enormes para rolar a dívida externa que parecia impagável. No mercado interno a inflação era imensa e o crédito raro e caro.

Com o Plano Real, a economia brasileira começou a entrar nos trilhos e o Banco Central passou a ter mecanismos eficazes de controle monetário. Foi criada TBC, TBAN e posteriormente a SELIC, assim, o prêmio pela postergação do consumo passou ser medido pela remuneração das LFTs (atual Tesouro SELIC), títulos de menor risco do país. Quando estes títulos vinculados à SELIC pagavam taxas elevadas, poucas pessoas se dispunham a correr riscos de não receber seu dinheiro de volta emprestando para agentes diferentes do Tesouro Nacional.

A forte queda da taxa SELIC vem incentivando investidores a buscar outras aplicações que gerem mais retorno mesmo que, para isso, precisem correr mais riscos. A tendência de busca por aplicações de maior risco é positiva para a economia. Se existe demanda por risco, o sistema financeiro oferece produtos com este perfil. Porém, as pessoas, de um modo geral, têm enorme dificuldade cognitiva para avaliar o risco.

Deixar o governo absorver parte importante da parca poupança doméstica pagando juros elevados em aplicações pós-fixadas com risco mínimo é péssimo para o país, porém, é ótimo para quem tem dinheiro para aplicar.

Em 3 de dezembro de 1967, Christian Barnard, médico e professor da Cidade do Cabo, África do Sul, efetuou o primeiro transplante de coração. Quando Bernard entrou no quarto do paciente Louis Washkansky para explicar-lhe como seria a cirurgia, encontrou-o lendo tranquilamente um western. Após explicar os procedimentos da operação, o médico perguntou se o paciente gostaria de fazer algum questionamento. Ele apenas baixou a cabeça e continuou lendo seu livro como se nada de importante fosse ocorrer.

O médico ficou profundamente desconsertado por ver um homem que vivia um momento tão importante estar mais preocupado com uma leitura de qualidade duvidosa do que em questionar sobre seu futuro. Todavia, Ann, esposa de Washkansky, perguntou: “quais as chances dele?”. O médico respondeu que as chances de sobrevivência eram de 80%. Passados 18 dias da cirurgia, o primeiro transplantado da história morreu.

Bernard sempre julgou que a operação foi um enorme sucesso e que acertou a previsão. Certamente, esta não foi a mesma percepção da esposa do paciente. É provável que as chances (risco) a que Ann se referia estavam relacionadas com a qualidade e a expectativa de vida de seu marido após a operação.

O termo risco tem vários sentidos. Para a maioria das pessoas, risco está associado a situações de perigo. Porém, tecnicamente, risco está associado a uma situação onde existem possibilidades de sucesso ou insucesso de um dado evento. Quando falamos em riscos de viajar de avião, a maior parte das pessoas associa a possibilidade de desfechos negativos, como a queda da aeronave. Mas o risco também se refere à possibilidade de um desfecho positivo, como a aterrissagem bem-sucedida.

Para medir o risco, analisa-se o histórico de eventos, com ou sem sucesso, ocorridos no passado. Sendo assim, como então o médico Christian Barnard, que até então só tinha feito transplantes em cachorros, sendo que nenhum deles tinha sobrevivido, poderia estimar o risco de sucesso da operação em 80%?

Muitos médicos, nas salas de espera das UTIs, são questionados por parentes aflitos sobre as chances de sobrevivência dos pacientes. Normalmente eles fazem previsões. Porém, quando questionados sobre a exatidão destas previsões, eles concordam que são imprecisas. É possível que os médicos pensem que as previsões, mesmo que sombrias, podem tranquilizar os parentes, deixando os profissionais livres para dedicar seu precioso tempo aos doentes, o que realmente pode fazer diferença.

A Bolsa de Valores, e os demais mercados de risco, são um campo extremamente injusto, onde muitos perdem pouco e poucos ganham muito. Planejadores financeiros e demais profissionais que trabalham com aconselhamento financeiro precisam gastar muito tempo compreendendo as necessidades dos seus clientes e explicando sobre os riscos dos produtos que vendem.

Um bom conselheiro deve demorar o máximo de tempo possível tentando esclarecer as dúvidas dos clientes, para que eles entendam o risco de cada produto e qual a melhor relação de risco e retorno para seu perfil. Ele sabe que não consegue alterar o risco implícito de um produto financeiro, o que ele pode é ajudar o cliente a saber qual o impacto na sua vida no caso de o risco cobrar seu preço. E um dia ele sempre cobra.

A primeira questão que deve ser esclarecida é se o cliente está procurando assessoria para ficar rico ou para não ficar pobre. Apesar de crucial, em minha experiência, raramente o cliente sabe dar esta resposta.

Se o gerente procura se livrar o mais rápido possível do cliente está cometendo um grande erro, equivalente ao de um médico que atende rapidamente os doentes para se ocupar com os parentes na sala de espera.

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É doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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