Em uma entrevista ao jornal Valor Econômico de 16 de abril de 2024, a empresária Ana Maria Diniz, inventariante do espólio do empresário Abilio Diniz, afirma que a divisão da enorme herança de seu pai já vinha sendo organizada por ele desde 2018. Abilio teve seis filhos e dois casamentos, e parece que todo o processo de divisão patrimonial vem sendo conduzido de forma tranquila, permitindo a preservação do tecido familiar intacto.
Certamente, este poderia ser tomado como um caso exemplar; porém, existe um detalhe que pode escapar de uma análise superficial. Abilio faleceu no dia 18 de fevereiro de 2024, aos 87 anos. Portanto, segundo afirma a filha, ele só começou a se preocupar com a sucessão após seus 80 anos. Será que se a morte tivesse ocorrido antes, o processo seria assim tão ordenado?
No livro “Bleak House”, Charles Dickens aborda o caso “Jarndyce e Jarndyce”, um processo de herança que se arrasta por gerações sem solução, transformando um outrora grande patrimônio em dor e sofrimento.
Casos famosos preenchem páginas e páginas da imprensa sensacionalista, lotam tribunais e fazem a alegria de escritórios de advocacia especializados. Exemplos incluem os espólios de figuras públicas como Gugu Liberato, Pelé, Maradona, Zagallo, Michael Jackson, Gal Costa, Rolando Boldrin e Chico Anysio, bem como de grandes empresários como Joseph Safra, Samuel Klein e André Maggi. Infelizmente, parece que o velho enredo em torno da divisão das heranças tem um passado glorioso e um futuro promissor.
A herança muitas vezes é o ponto de partida para desentendimentos familiares, e são incontáveis as famílias que rompem os laços de fraternidade na discussão sobre a divisão do patrimônio deixado. Porém, também é inegável que, se bem conduzida, ela pode ser o elo entre gerações de uma família.
Para que a herança não se transforme em problema, é fundamental que exista planejamento sucessório. O planejamento sucessório é um processo estratégico de preparação para a transmissão de patrimônio e valores de uma pessoa para seus herdeiros ou beneficiários, visando ocorrer de maneira ordenada, eficiente e, idealmente, com o menor custo fiscal e tributário possível.
O planejamento sucessório nunca foi tão importante como agora, dado que no mundo estamos vivendo o que vem sendo chamado de “A Grande Transferência de Riqueza”, marcando o maior repasse intergeracional de ativos na história.
Segundo um estudo da empresa Cerulli Associates, nos Estados Unidos, até 2045 cerca de 68,8 trilhões de dólares serão transferidos das gerações mais velhas para as mais novas, com a geração X (1965 – 1980) devendo receber US$ 30 trilhões; os Millennials (1981 – 1996), US$ 27 trilhões; e os Zoomers (1997 – 2012), com US$ 11 trilhões. Além disso, a empresa prevê que cerca de US$ 12 trilhões serão doados para a filantropia.
Infelizmente, não tenho uma estimativa dos valores a serem transferidos especificamente no Brasil, porém, é inegável que muitas pessoas das gerações Silenciosa, como era o caso de Abílio Diniz, e dos Baby Boomers acumularam grandes fortunas, que já estão sendo transferidas para as novas gerações e que, assim como nos EUA, esse processo deve se acelerar significativamente.
No Brasil, o tema ganha relevância diante de um contexto jurídico e fiscal complexo, onde a ausência de um planejamento adequado pode resultar em longos processos de inventário e disputas familiares. Afinal, o sistema judiciário brasileiro não é tão diferente daquele retratado por Charles Dickens em “Bleak House”, e processos podem atravessar gerações.
Quando falamos em planejamento sucessório, é comum pensar que ele é típico de pessoas com idade elevada; porém, o ideal é que o planejamento sucessório comece antes do casamento, ou mais precisamente, antes da configuração de união estável.
O ordenamento jurídico do Brasil não determina com exatidão o que é necessário para configurar uma união estável, e caso a união estável não seja formalizada em cartório, o regime é de comunhão parcial de bens.
As relações afetivas atualmente tendem a não ser tão duradouras quanto no passado. Além disso, com o aumento da longevidade e os avanços da medicina, homens e mulheres mantêm faculdades mentais, corpos saudáveis e uma vida sexual ativa por mais tempo. Há algumas décadas, era bastante incomum pessoas com mais de 50 anos se divorciarem; porém, hoje, as chamadas separações grisalhas já representam cerca de 30% do total de divórcios.
A ideia de que casamentos duram até a morte deixou de ser a regra para se tornar uma exceção. Atualmente, é cada vez mais comum que existam filhos e outros herdeiros de mais de uma união ocorrida ao longo da vida. Por isso, casamentos, ou uniões estáveis, com separação total de bens são altamente recomendados. Com este regime, é mais simples dividir bens após o final das uniões afetivas, evitando que se acumulem para os processos de herança.
Também, em caso de morte de um dos parceiros afetivos, apenas a parte do membro falecido vai para o processo de herança, e o membro sobrevivente continua como herdeiro de 50% do patrimônio do falecido.
O planejamento sucessório é uma ferramenta essencial na gestão de patrimônios e na manutenção da harmonia familiar após o falecimento de um ente querido. E planejamento não é apenas sobre divisão de patrimônio, mas também sobre pensar no bem-estar dos entes queridos em caso de falecimento, pois, infelizmente, a morte não chega apenas para as pessoas muito idosas.
Para casais jovens com filhos, montar uma estrutura de seguros que possam proteger os dependentes em caso de infortúnio é fundamental. Montar estruturas de previdência privada que podem liberar recursos de forma rápida pode atenuar o grande sofrimento em momentos de perda de um ente querido.
Eu perdi meu pai ainda muito jovem, e ele não tinha nenhum planejamento de sucessão; minha mãe não foi preparada para a situação, assim, sempre fui extremamente preocupado com o tema.
Logo que meus filhos nasceram, elaborei documentos determinando tutores e procedimentos em caso de um acidente onde eu e minha esposa viéssemos a falecer. Muitas vezes vi amigos e familiares dizendo que isso “dava azar”, nunca discordei disto, talvez porque, para mim, azar está ligado à casualidade.
As mesmas pessoas que dizem que planejar a sucessão “dá azar” são aquelas que dizem que fazer seguros também “dá azar”. Planejamento é estar preparado para o eterno rodar da roda da fortuna, e azar, no sentido de algo negativo, é não estar preparado para o azar no sentido de probabilidade.