Se há um objetivo que une toda a humanidade, esse objetivo é a busca pela felicidade. Ela transcende barreiras culturais, sociais e econômicas. A necessidade de encontrar contentamento e satisfação na vida é intrínseca ao ser humano, embora as formas através das quais essa busca se manifeste possam ser incrivelmente variadas.

Embora todos busquem a felicidade, cada ser humano, com todas as suas semelhanças biológicas e psicológicas, trilha um caminho único nessa busca. A procura pela felicidade é uma jornada intrínseca e profundamente individual, sendo influenciada por valores individuais, temporais, culturais e sociais. O que é visto como correto ou satisfatório para uma pessoa pode não ser para outra.

A falta de autoconhecimento pode fazer com que alguém siga um caminho não alinhado às suas reais necessidades, desejos e valores. As pressões sociais e as expectativas culturais podem, em alguns casos, ofuscar o que verdadeiramente traria contentamento a um indivíduo, levando-o a perseguir objetivos que não correspondem ao esperado.

O “First principles“, ou Pensamento de Primeiros Princípios, é um conceito filosófico que se refere ao pensamento básico e fundamental, onde ideias complexas são decompostas em suas partes mais elementares. A ideia central é compreender os princípios mais básicos como verdadeiros, sem depender de analogias ou comparações.

Essa abordagem consiste em desmembrar um problema ou sistema até seus princípios fundamentais, ao invés de raciocinar por analogia, onde uma situação é comparada a outra semelhante. A partir dessa desconstrução, é possível reconstruir o problema com uma compreensão mais profunda e essencial. É uma forma de entender a natureza de algo, eliminando suposições e comparações.

A metodologia pode ser aplicada em diversas disciplinas, como física, matemática e filosofia. Raciocinar a partir dos primeiros princípios implica em desfragmentar um problema até seus componentes básicos e reconstruí-lo a partir daí.

Muito antes de Elon Musk popularizar o conceito de First Principles, filósofos buscavam entender os princípios mais fundamentais da felicidade. O período de 300 anos antes de Cristo foi particularmente fecundo nesta busca por compreender a felicidade. Fazendo uma escolha um tanto pessoal, gostaria de falar de quatro importantes filósofos que buscaram compreender o caminho para a felicidade: Aristóteles, Epicuro, Zenão de Cítio e Marco Aurélio.

Para Aristóteles, a felicidade não se encontra simplesmente no prazer, mas na realização do potencial humano. A vida virtuosa, guiada pela razão, é o caminho para a verdadeira felicidade. Aristóteles criou o conceito de Eudemonia, que é uma ideia central na ética aristotélica. A Eudemonia implica viver de acordo com a própria natureza humana, buscando excelência moral e intelectual.

Já nas escolas filosóficas como o Estoicismo (Zenão de Cítio) e o Epicurismo (Epicuro), a felicidade é alcançada como a ausência de perturbação, o que eles chamam de Ataraxia. Escolhi citar Marco Aurélio, estoico, viveu quase 4 séculos depois de Zenão, não por suas contribuições fundamentais ao estoicismo, mas, devido ao enorme sucesso atual do seu livro “Meditações”. Portanto, atualmente sua obra é a grande divulgadora do pensamento estoico.

Embora tanto os epicuristas quanto os estoicos valorizem a ataraxia, eles a abordam de maneiras fundamentalmente diferentes. Para os epicuristas, a ataraxia é alcançada através do prazer moderado e do entendimento racional do mundo; para os estoicos, ela é o resultado de viver virtuosamente, em conformidade com a razão e a ordem cósmica. Enquanto o Epicurismo enfatiza a satisfação pessoal e a autonomia, o Estoicismo enfatiza o dever, a virtude e a aceitação do destino. Ambos, no entanto, veem a ataraxia como uma chave para uma vida bem vivida e feliz.

A era moderna e pós-moderna trouxe uma mudança notável no conceito de felicidade, especialmente nas sociedades de consumo. A ideia de que mais consumo leva a mais felicidade tornou-se prevalente. A publicidade e o marketing frequentemente promovem essa equação, sugerindo que a aquisição de bens materiais e o acesso a experiências de consumo são caminhos para a realização pessoal e a felicidade.

A sociedade de consumo é fruto do liberalismo econômico, cujas bases foram lançadas na obra “A Riqueza das Nações”, escrita por Adam Smith e publicada em 1776.

Quando, em um dia frio e chuvoso, me encontrei diante da imponente estátua de Adam Smith em Edimburgo, imaginei-me tendo uma conversa com o velho economista. Perguntei-lhe como ele se sentiria sendo considerado o pai da sociedade de consumo. Sinceramente, acredito que ele ficaria bastante descontente com essa ligação.

Mesmo sendo indubitavelmente “A Riqueza das Nações” o seu livro mais famoso, considero a obra “A Teoria dos Sentimentos Morais”, publicada 27 anos antes, mais interessante. A obra explora como os seres humanos percebem o que é moralmente certo e errado e é baseada na empatia e na capacidade humana de se colocar no lugar do outro, o que é fundamental para a conexão social, base da vida em sociedade.

Ele enfatiza que nossas ações virtuosas e nosso comportamento moralmente correto estão intrinsicamente ligados à nossa felicidade. Embora Smith não ignore o papel dos bens materiais na vida humana, ele critica a ideia de que a acumulação de riqueza é o caminho para a verdadeira felicidade. Ele reconhece que a busca por status e riqueza pode ser motivada por um desejo de ser admirado pelos outros, mas argumenta que essa não é uma fonte confiável ou duradoura de felicidade.

Como você, caro leitor, já deve ter percebido, a ideia deste artigo é sugerir que você busque quebrar o problema complexo, “como ser mais feliz”, em suas partes constituintes mais básicas, até entender se você está trilhando um bom caminho ou não.

Como enfatizei no começo do artigo, a busca pela felicidade é uma jornada subjetiva e varia de pessoa para pessoa, e até de época da vida de cada um. Pessoalmente, sou bastante cético quanto à capacidade da equação contemporânea de que mais consumo e mais status social são iguais a mais felicidade. Acredito que o foco na opinião que os outros têm sobre nós – nosso status social –, no exterior e no material, pode levar a uma busca incessante por mais, possivelmente à custa do bem-estar emocional.

E você, como avalia sua busca por felicidade? Que tal aplicar a metodologia do First Principles para entender se o caminho que você está trilhando tem lhe entregado o que você espera?

Author

É doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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