Até o início do século XX, a vida era dividida em três fases: infância, vida adulta e velhice. Simples assim. Um dia éramos crianças; no outro, adultos. Para marcar essa transição, culturas ao redor do mundo criaram rituais de passagem: o Bar e Bat Mitzvah na tradição judaica, os bailes de debutantes na sociedade ocidental, e diversos ritos indígenas. A mudança era abrupta: da infância para a vida adulta, quase sem transição.
A adolescência, como entendemos hoje, é uma construção recente. Só no início do século 20 ela passou a ser reconhecida socialmente, impulsionada por mudanças na educação, no trabalho infantil e na urbanização. G. Stanley Hall, considerado o “pai da psicologia da adolescência”, popularizou o termo para descrever essa fase de conflitos e transformação. Piaget e Erikson também contribuíram com visões que associam a adolescência à formação da identidade.
Ao abandonarmos a adolescência, entramos na vida adulta, período em que buscamos a construção do “eu social”, dedicando-nos intensamente a atender as expectativas que a sociedade deposita sobre nós. É a época da formação profissional, da busca por estabilidade financeira, do casamento, da criação dos filhos e da consolidação de uma identidade reconhecida publicamente. Nessa etapa, construímos nossas máscaras sociais: papéis que desempenhamos para sermos aceitos, valorizados e bem-sucedidos no mundo do trabalho, da família e das relações. Muitas vezes, deixamos nossos sonhos da adolescência e juventude para trás e vivemos mais em função do que esperam de nós, esquecendo quem realmente desejávamos ser.
Como acontecia no século 19 com a transição entre a infância e a vida adulta, a transição da vida adulta para a velhice também é abrupta: um dia se é adulto, e no dia seguinte, velho. No dia em que completei 60 anos, ganhei o direito de estacionar em vagas preferenciais, embarcar antes no avião, furar filas… e o desconforto de ser representado por aquele ícone clássico: um senhor curvado, de bengala na mão. É estranho, não é? Um dia somos adultos plenamente ativos, e no seguinte, já nos colocam no grupo dos “velhos”.
Mas, assim como no início do século 20 criamos o conceito de adolescência como uma fase de transição da infância para a vida adulta, agora, no século 21, estamos criando uma nova fase: a transição da vida adulta para a velhice.
Por ser uma fase de transição, é natural que alguns a chamem de segunda adolescência, embora eu confesse não gostar desse nome. A palavra adolescência vem do latim adolescentia, do verbo adolescere, que significa crescer, desenvolver-se, amadurecer. A adolescência é o tempo de construção, em que nos moldamos para caber nas expectativas da sociedade.
Outra tentativa de definir essa nova fase é chamá-la de “envelhescência”, junção de envelhecer com adolescência. Também não gosto desse nome, pois essa nova etapa não é simplesmente uma preparação para a velhice. Quando nossa expectativa de vida mal passava dos 60 anos, chegar aos 50 significava que havia pouco tempo pela frente, restando apenas aceitar o que havia sido construído e aguardar o fim, aí sim caberia o termo envelhescência.
Hoje, aos 50, podemos contemplar mais 30 ou 40 anos de vida ativa pela frente. Para quem se cuida, talvez a velhice real comece apenas após os 80. Essa nova etapa, portanto, é equivalente em tempo de vida à primeira fase da vida adulta. Por isso gosto de chamá-la de segunda vida adulta.
A segunda vida adulta é a fase da autonomia, da autenticidade e da realização dos sonhos adiados. É o tempo de deixar para trás as expectativas alheias e abraçar, com coragem, quem realmente somos. Se na primeira fase da vida adulta estávamos preocupados em construir nosso “eu social”, agora chegou a hora da desconstrução, de romper com padrões e abrir espaço para que nosso verdadeiro eu floresça.
Por isso, cada vez mais pessoas estão optando por transformações profundas após os 50 anos. Divórcios grisalhos, mudanças radicais de carreira, empreendedorismo tardio e novos estilos de vida são exemplos claros dessa busca por autenticidade e realização pessoal. Afinal, essa segunda vida adulta é um período de liberdade, coragem e infinitas possibilidades.
Nesta fase, muitas pessoas já têm filhos adultos e criados, estabilidade financeira conquistada e mais tempo disponível. Por isso, é comum que comecem a olhar com maior atenção para a própria saúde e bem-estar físico, aproveitando a tranquilidade econômica para investir em cuidados com o corpo e em qualidade de vida.
Também é o momento ideal para resgatar sonhos antigos, muitas vezes deixados para trás no turbilhão das obrigações da primeira fase adulta. Viagens desejadas há décadas, novos hobbies, aprendizado de habilidades inéditas ou mesmo projetos pessoais guardados por muito tempo passam a ganhar espaço e prioridade.
Para quem soube cuidar da saúde e se manter atualizado, a segunda vida adulta pode ser um período fértil para a reinvenção profissional. Ainda que já não se tenha o mesmo vigor físico da juventude, essa fase traz outros atributos valiosos: equilíbrio emocional, sabedoria, experiência acumulada e um repertório prático que poucos jovens possuem.
Mas para viver bem a segunda vida adulta, é fundamental começar a se preparar para ela desde o início da primeira. Isso significa cuidar, com atenção e disciplina, de diferentes capitais: o financeiro, o social, o intelectual e o físico. Quando somos jovens, temos em abundância o capital humano — energia, capacidade cognitiva e oportunidades de aprendizado — e é nessa fase que devemos começar a transformá-lo em capital financeiro. Ter uma reserva bem construída ao longo da vida, preferencialmente por meio de um plano sólido de previdência complementar, nos dará liberdade para escolher: reduzir o ritmo de trabalho, mudar de carreira ou empreender sem depender exclusivamente do próximo salário.
Além disso, preservar e cultivar os relacionamentos, manter a mente ativa e cuidar do corpo são atitudes que fazem toda a diferença no futuro. O que hoje pode parecer excesso de zelo, amanhã será a base da nossa autonomia. Ignorar esses aspectos durante a juventude torna muito mais difícil construir uma segunda vida adulta com qualidade, propósito e liberdade de escolha.
Ainda assim, é preciso reconhecer que essa realidade não está ao alcance de todos. A ideia de uma segunda vida adulta plena, ativa e autêntica ainda é um privilégio. Muitos brasileiros, especialmente das classes menos favorecidas, enfrentam barreiras concretas: problemas de saúde, baixa escolaridade, falta de recursos e aposentadorias insuficientes. Para esses, a transição para a velhice continua sendo abrupta e difícil. Por isso, pensar em segunda vida adulta também é pensar em políticas públicas e iniciativas sociais que permitam que mais pessoas tenham a chance de viver essa etapa com dignidade, liberdade e oportunidades reais de florescer novamente.