A ideia de um período de transição entre a infância e a vida adulta hoje é tão consolidada na sociedade contemporânea que até parece que a adolescência sempre existiu. Entretanto, nem sempre foi assim.

Em muitas culturas antigas, a passagem da infância para a vida adulta era demarcada por rituais de iniciação. Muitas vezes, esses rituais simbolizavam a entrada na vida adulta e as responsabilidades que vinham com ela. Não havia uma fase intermediária reconhecida como adolescência. Em um dia, era-se criança e, no seguinte, adulto.

O conceito moderno de adolescência começou a tomar forma no século XIX, especialmente nos países ocidentais. A urbanização e os avanços na medicina contribuíram para uma clara separação das fases da vida. A expansão do sistema educacional formal desempenhou um papel crucial na consolidação do conceito de adolescência. A obrigatoriedade da educação primária e secundária fez com que os jovens passassem mais tempo em ambientes de aprendizado, separados dos adultos e das responsabilidades da vida adulta. Essa separação física e social ajudou a solidificar a ideia de que os adolescentes formavam um grupo distinto, não sendo nem crianças nem adultos.

Tendo nascido em 1961, tive o direito de viver minha adolescência e pude desfrutar de um tempo de transição entre a infância e a vida adulta nos divertidos anos 1970. No entanto, em 17 de novembro de 2021, dormi adulto e acordei velho.

No dia seguinte, ganhei o direito de estacionar em vagas para idosos, frequentemente representados por um cidadão curvado e apoiado em uma bengala, além do direito a filas preferenciais. Tudo aconteceu como o certeiro golpe de uma foice que encerrou meu status de adulto, transformando-me oficialmente em um idoso.

Importante destacar que não reclamo de ser idoso, pois a velhice traz muitas vantagens. Gosto muito de ser idoso e detesto eufemismos como “melhor idade” ou “terceira idade”. No entanto, o que choca é a rapidez da transição.

Assim como no passado surgiu a adolescência para representar a transição entre a infância e a vida adulta, com o aumento da expectativa de vida, a sociedade começa a reavaliar as noções tradicionais de envelhecimento. Portanto, está surgindo uma nova compreensão da fase da vida entre a maturidade e a velhice. Alguns a chamam de “Second Adulthood“, que ocorre aproximadamente entre os 50 e 70 anos, e é reconhecida como uma etapa distinta com seus próprios desafios, oportunidades e características.

Sendo uma fase de transição e de mudanças, frequentemente ela é descrita como “segunda adolescência”, o que me parece uma denominação bastante inapropriada. A adolescência é a preparação para assumirmos as responsabilidades da vida adulta, enquanto esta nova fase seria a preparação para abandonarmos os compromissos da vida adulta.

Quando nos tornamos adultos, a ênfase da vida está em adaptar-se às normas sociais e estabelecer uma posição na sociedade. Isso pode envolver buscar sucesso em carreiras, formar relacionamentos e atender às expectativas da sociedade. A construção do status social pessoal é crucial neste estágio.

Com a chegada da velhice, as preocupações mudam para questões mais introspectivas e existenciais. Encontrar um significado mais profundo na vida torna-se central. A questão não é mais apenas sobre como o mundo vê o indivíduo, mas sobre como o indivíduo vê e compreende a si mesmo e seu lugar no grande esquema da vida.

Em um passado recente, a chegada dos 60 anos, marco do início da velhice segundo a Organização Mundial da Saúde, representava a preparação para a morte; hoje, não mais. Nas partes mais desenvolvidas do mundo, ainda temos uma razoável probabilidade de viver mais 20 ou 30 anos com boa saúde física e intelectual. É comum ver pessoas fazendo planos, iniciando novas profissões, novos negócios, terminando e iniciando novos casamentos, enfim, reinventando-se e olhando para o futuro com esperanças e projetos.

Livre da obrigação de buscar status social, de atender às exigências da sociedade, da formação do patrimônio e dos cuidados com os filhos, a chegada da velhice passa a ser uma oportunidade para reavaliar e redirecionar a vida. É época de questionar as escolhas e os valores que nortearam nossa vida até aquele momento. É onde podemos aceitar nossas limitações, vulnerabilidades e defeitos, abandonando nossas máscaras existenciais que vestimos para ser quem a sociedade queria que fôssemos, deixando nosso eu mais profundo vir à tona.

A chegada da velhice é um momento de reflexão, em que podemos olhar para trás, avaliar nossas escolhas e redirecionar nossos passos futuros com base no que realmente ressoa conosco. O que torna a velhice tão empoderadora é a liberdade de finalmente ser autêntico, sem o peso das expectativas sociais. Com os maiores compromissos e responsabilidades para trás, podemos nos perguntar: “O que eu realmente quero?”. E mais importante, temos o tempo, a sabedoria e, muitas vezes, os recursos para buscar esses desejos.

Isso não significa que a velhice seja isenta de desafios. Afinal, lidamos com questões de saúde, mudanças físicas e, em alguns casos, perdas. No entanto, é também uma época em que podemos abraçar plenamente nossa individualidade. Se na juventude buscávamos encontrar nosso lugar no mundo, na velhice temos a chance de criar esse lugar para nós mesmos.

É verdade que a consciência da mortalidade se torna mais aguda à medida que envelhecemos. Pode parecer estranho, mas comecei a temer a morte quando tive filhos. Me apavorava a ideia de morrer e deixar meus filhos à mercê da vida. Agora, com meus filhos já criados e independentes, a morte não me assombra mais da mesma maneira. Sei que ela chegará; só espero que me surpreenda quando eu não estiver à sua espera.

A adolescência é uma fase simultaneamente maravilhosa e assustadora; é maravilhosa porque sinaliza a entrada em um território desconhecido e, exatamente por isso, torna-se assustadora. Penso que a preparação para a velhice carrega algo disso: se o vigor físico não é o mesmo, para aqueles que se prepararam adequadamente, o intelecto está em seu ápice.

E você, está se preparando para viver plenamente os 30 anos de expectativa de vida que ganhamos no último século? Espero sinceramente que sim.

Author

É doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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