Aqueles leitores que já têm alguns cabelos brancos se lembram, provavelmente com horror, de como era a TV aberta brasileira nos anos 80 e 90. Os dirigentes das redes de televisão faziam de tudo pela audiência, sem qualquer limite para a baixaria e o politicamente incorreto. Havia sushi erótico, partos e suicídios ao vivo, cadáveres exibidos de forma explícita, mulheres lutando em uma banheira, e comerciais de cigarros e cervejas em programas infantis, onde, aliás, crianças dançavam músicas de conteúdo altamente erótico, como “Na Boquinha da Garrafa”, “Eu Quis Comer Você” ou “Don’t Want No Short Dick Man”. Além disso, havia falas racistas e sexistas que hoje seriam inimagináveis.
Mas de quem era a culpa por tudo isso? Dos telespectadores, adultos e crianças, que aceitavam aqueles conteúdos? Ou seria dos dirigentes das redes de TV, ávidos por audiência? Ou talvez dos anunciantes, que sustentavam tudo aquilo? É fácil cair em um jogo de empurra, onde a culpa acaba sendo de todos e, ao mesmo tempo, de ninguém.
Mesmo com todos os absurdos que aconteceram, é importante reconhecer que prefiro ter passado por tudo aquilo do que ter permanecido preso à odiosa censura que vigorou em nosso país por tanto tempo. Hegel, um dos filósofos mais importantes do idealismo alemão, sugeriu que, na evolução social, uma tese é confrontada por uma antítese, e a tensão entre as duas é resolvida em uma síntese. Esse processo pode ser visto como um movimento pendular entre extremos que eventualmente resulta em uma posição intermediária. Em outras palavras, a sociedade oscila entre extremos antes de encontrar um equilíbrio central. Talvez todo aquele excesso de liberdade nada mais tenha sido do que o pêndulo se movendo da total falta de liberdade para a completa ausência de limites.
A internet nasceu nos anos 1960 como um projeto militar, com o objetivo de criar uma rede de comunicação segura e descentralizada, capaz de resistir a ataques nucleares. Expandiu-se nas universidades como meio de troca de conhecimentos entre pesquisadores e, com a adoção do protocolo TCP/IP em 1983, começou a se expandir globalmente, dando origem à internet como a conhecemos hoje.
A internet científica e militar de um passado recente transformou-se no “vale-tudo” que estamos vivenciando. A informação, que outrora era checada e rechecada por métodos jornalísticos, agora é propagada sem filtros e sem responsabilidade. Os jornalistas sérios foram substituídos por influenciadores, que muitas vezes são apenas propagadores de desinformação. Sim, é verdade que no passado as coisas não eram perfeitas, pois todo veículo de informação era um centro de poder que divulgava informações segundo seus interesses. Mas e agora, estamos em uma situação melhor?
Será que nos resta apenas esperar para que o pêndulo, que se moveu da informação controlada pelos donos dos canais de comunicação para a informação sem qualquer controle, em um enorme campo de desinformação e alienação, volte ao equilíbrio? Talvez não tenhamos tanto tempo assim.
Nos Estados Unidos, existe o cargo de Cirurgião-Geral, nomeado pelo presidente como o principal porta-voz do governo federal em questões de saúde pública, responsável por fornecer informações científicas e baseadas em evidências à população. O atual Cirurgião-Geral, Vivek Murthy, que serviu aos governos dos presidentes Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden, defende, em um recente artigo, a implementação de rótulos de advertência nas mídias sociais, comparando seus riscos aos do tabaco e álcool. Ele destaca que as mídias sociais têm impacto negativo na saúde mental dos adolescentes, contribuindo para problemas como ansiedade, depressão e baixa autoestima.
As redes sociais se consolidaram como a principal plataforma de comunicação, informação e entretenimento para milhões de pessoas ao redor do mundo, onde a liberdade de expressão, desregulada, se tornou um terreno fértil para a desinformação e a radicalização.
Um exemplo claro dos absurdos que têm se proliferado nas redes sociais é a disseminação de conselhos e práticas de saúde por pessoas sem qualquer qualificação. É comum ver influenciadores, que muitas vezes não têm formação em áreas como medicina, nutrição ou psicologia, dando opiniões sobre tratamentos médicos, dietas e estilo de vida. Pior ainda, essas opiniões são frequentemente apresentadas como verdades absolutas, sem embasamento científico e sem alertar sobre os riscos envolvidos.
Como minha área de atuação é a educação financeira, fico extremamente preocupado com o surgimento dos chamados “finfluencers” — influenciadores digitais que se posicionam como especialistas em finanças, investimentos e economia. Muitos desses indivíduos não têm a formação adequada ou a experiência necessária para oferecer conselhos financeiros sólidos. Ainda assim, eles atraem milhares, às vezes milhões, de seguidores que confiam cegamente em suas recomendações.
Uma pesquisa encomendada pela Forbes Advisor e realizada pela empresa de pesquisa de mercado Prolific descobriu que, nos Estados Unidos, 79% dos membros das gerações millennial e Z obtiveram conselhos financeiros nas redes sociais. Não tenho dados do Brasil, mas é provável que, dada a penetração das redes sociais na nossa sociedade, o número seja ainda maior.
É claro que existem influenciadores qualificados e sérios; no entanto, quando falam a verdade sobre as dificuldades do mercado financeiro, acabam atraindo menos público do que aqueles que fazem promessas exageradas ou irrealistas, como a obtenção de lucros rápidos e elevados em investimentos de alto risco, sem esclarecer adequadamente os perigos envolvidos. Alguém que promete ganhos fáceis de 10% ou 20% ao ano em investimentos atrai muito mais pessoas do que alguém que explica que, do valor bruto dos investimentos, é preciso descontar Imposto de Renda, inflação e custos de transação. Isso leva muitos seguidores a preferirem ouvir uma promessa agradável, embora falsa, a encarar uma verdade desagradável. Esse comportamento geralmente resulta em perdas financeiras significativas e contribui para a criação de uma cultura de investimento baseada na especulação e na busca por ganhos fáceis, em vez de uma abordagem prudente e bem-informada.
O que mais me preocupa, no entanto, é a falta de cuidado de algumas instituições financeiras respeitáveis que se associam a finfluencers, sem passar por um processo de compliance ou verificação rigorosa da qualificação do influenciador. Ao fazer isso, essas empresas não estão apenas cometendo um erro estratégico — estão se tornando cúmplices na disseminação de informações falsas e potencialmente perigosas.
Quando um finfluencer promete um retorno de 20% ao ano e é patrocinado por um grande banco, é legítimo questionar por que esse banco não o contrata como gestor de investimentos. Quando esse influenciador recomenda que as pessoas deixem de contribuir para o INSS, sem considerar os riscos de morte ou invalidez precoce, ele coloca o futuro das famílias em risco. Isso é ainda mais preocupante quando é impulsionado pela verba de marketing e pela reputação de uma instituição séria que, aparentemente, não fez a devida diligência ao contratá-lo.
O marketing de influência é uma ferramenta poderosa, porém, quando a decisão de contratação é feita com base apenas no número de seguidores de um perfil, sem uma análise crítica das informações que ele compartilha, a empresa acaba endossando essas mensagens, sejam elas corretas ou não. Ao direcionar verba de marketing para influenciadores irresponsáveis, a empresa coloca em risco não apenas sua reputação, mas também a segurança e o bem-estar dos clientes e consumidores. A responsabilidade no uso do marketing de influência é essencial para proteger consumidores e preservar a integridade das instituições.