O Brasil vive um autêntico paradoxo. De um lado, temos um imenso exército de desempregados e desalentados. De outro lado, vivemos um apagão de mão de obra.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do segundo semestre de 2021, são 14,4 milhões de brasileiros procurando emprego e 5,6 milhões de brasileiros que gostariam de ter um emprego, porém deixaram de buscar uma colocação por desânimo.
Muitas empresas permanecem longos períodos sem conseguir preencher as vagas abertas. Na área de tecnologia, a situação é crítica e tem limitado muito o crescimento de empresas de base tecnológica. Com as possibilidades do teletrabalho, é cada vez maior o número de pessoas que passaram a trabalhar para empresas do exterior, sem precisar sair do próprio país. São assalariados que recebem em dólares ou euros e podem continuar gastando em reais.
Trabalhando para empresas que estão fora do Brasil, essas pessoas estão livres dos elevados impostos que incidem sobre a folha de pagamento de empresas brasileiras. Além disso, essas pessoas altamente qualificadas têm elevado potencial para gerar riquezas intelectuais, habilidade fundamental na era do conhecimento. No entanto, essas riquezas não ficam no Brasil.
Quando o Brasil foi colonizado nossa preocupação era com estrangeiros que levavam para o exterior nossa maior riqueza da época, o Pau Brasil. Depois, ao final do século XVII, o ouro descoberto nas regiões das Minas Gerais foi levado para o exterior, contribuindo muito pouco com o progresso do país. Agora, infelizmente, são cérebros que estão indo para fora.
Muitos dos cérebros estão nos abandonando em busca de uma vida melhor. Assim, pessoas escolarizadas e comprometidas estão faltando nas empresas e nas instituições. Na verdade, faltam bons profissionais em todas as áreas.
Faltam tratoristas nas fazendas, técnicos de laboratório, engenheiros, padeiros, pedreiros, professores. É enorme a lista de bons profissionais que faltam desde o nível médio até o superior. Não podemos culpar apenas a migração de cérebros pela carência de mão de obra.
Então o que está acontecendo? Por que temos tantos em busca de emprego e tantas vagas sem pessoas qualificadas para ocupá-las?
Eu entrei no curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina, em março de 1980. Os professores ocupavam um tablado em frente aos enormes quadros negros. Nós, os alunos, tínhamos respeito pelos professores e a maioria sonhava em um dia ter o status profissional dos nossos mestres.
Os professores nos motivavam a estudar com a promessa de sucesso profissional ou a ameaça do fracasso em nossas carreiras. Naquela época, respeitávamos a autoridade porque queríamos ser um dia como nossos professores, nossos pais ou nossos avós. Até os anos 1980, os adultos e os idosos eram modelos de conduta e de identidade para os mais jovens.
Em 1986, me tornei professor universitário e logo comecei a repetir o modelo dos meus professores. Mesmo sendo muito jovem, conseguia impor respeito por meio de uma postura autocrática centrada no poder e no conhecimento.
Naquela época, a competência dos meus alunos era representada por uma curva normal padrão. Em todas as turmas havia dois ou três alunos totalmente desinteressados e sem uma formação anterior que os permitisse atingir a nota mínima para progredir, e dois ou três alunos geniais, que se destacavam nos seus conhecimentos, completamente fora da média.
Eu modulava minhas aulas para os alunos que estivessem 20% acima da média. Assim, aqueles que estavam abaixo da média precisavam fazer um significativo esforço para ser aprovados e os alunos acima da média ainda ficavam motivados para aprender.
Atualmente, minhas turmas são completamente diferentes. Os alunos não querem ser mais como seus professores, pais ou avós. Aliás, a equação se inverteu, os mais velhos querem ser como os jovens. Definitivamente, tentar motivar alunos pelo medo ou pela promessa de sucesso futuro não funciona. O conhecimento que antes pertencia aos mais velhos está na rede à disposição de quem quiser acessar.
Hoje, minhas turmas concentram um percentual muito elevado de alunos completamente desmotivados, sem nenhum interesse em aprender. São como zumbis que se arrastam em busca de nota para passar e sair logo do que parece ser um castigo, cursar uma universidade. Por outro lado, existe um percentual menor de alunos extremamente bem formados e excepcionalmente interessados que acessam todo o potencial da internet ou livros e rapidamente conseguem suplantar, em muitos campos, seus próprios professores.
Como professor, fico no dilema entre atender quem realmente tem interesse e capacidade para aprender e não abandonar a maioria à própria sorte. Escolhendo me dedicar à maioria desanimada, corro o risco de perder no caminho os melhores. Escolhendo os melhores, naturalmente, os apáticos perderão a chance de mudar o seu status quo. Essa é a dura realidade.
O desafio que meus colegas professores e eu estamos passando é enorme. Fomos criados e nos formamos em uma escola analógica e precisamos ensinar alunos nativos digitais. Jovens cujas famílias os colocavam no centro do mundo: seus pais faziam o possível e o impossível para atender todos seus desejos. Jovens que têm enorme dificuldade de suportar frustrações.
Na era do conhecimento, o acesso a pessoas capacitadas e motivadas é o grande diferencial para o sucesso das empresas. Na era industrial, o capital financeiro era escasso. Porém, a mão de obra era farta e barata. E a escola tradicional dava conta de atender às necessidades do setor produtivo.
Agora, na era do conhecimento, o capital financeiro deixou de ser um limitador, e o capital intelectual passou a ser escasso. A escola tradicional, desenhada para prover mão de obra para a indústria, não consegue atender às necessidades deste mundo em profunda transformação.
Retornando ao paradoxo inicial, como resolver as diferenças entre jovens desinteressados e jovens altamente qualificados? Como mudar a escola para conseguir formar os jovens da geração Z em quantidade e qualidade que o setor produtivo precisa? Como superar o gap entre os desinteressados e os superdotados?
Certamente, não há uma resposta única. No entanto, modelos autoritários, antidemocráticos, retrógados e discriminatórios são fadados ao fracasso – na família, na escola, no trabalho e no país.
É preciso mudar rápido e só avançaremos na velocidade necessária se conseguirmos unir o Brasil em um projeto rumo ao futuro e não em torno de sonhos de retorno ao passado.