O deserto dos investimentos

A Rota 40 é uma rodovia que corta a Argentina de norte a sul, aos pés da Cordilheira dos Andes. Imagine-se viajando por esta estrada em pleno deserto… Após quase 500 quilômetros, faminto, você resolve parar em uma pequena vila. Lá há apenas dois pequenos restaurantes, um em frente ao outro. O primeiro tem um garçom na porta que lhe convida para entrar no salão completamente vazio. O segundo está lotado e cinco pessoas aguardam na lista de espera. O que você faz?

Se você for como a maioria das pessoas, será o sexto nome na lista do restaurante mais concorrido. E por que a maioria resolve esperar? Por acreditar que as pessoas que estão no restaurante lotado têm informações suficientes para escolher este em detrimento daquele.

Vamos sair um pouco da Rota 40 — prometo que logo mais voltaremos a ela —, pois quero levá-lo agora a uma viagem pelo mercado financeiro. Será que assim como em restaurantes e casas noturnas concorridas, as filas para comprar um ativo representam um bom indicativo de que aquela compra vale a pena? Bom, não se formam exatamente filas para comprar um ativo, eu sei. É que os preços no mercado financeiro são muito mais sensíveis à demanda do que o cardápio de um restaurante. Sempre que muitas pessoas compram um ativo, imediatamente seus preços sobem. No restaurante isso provavelmente vai acontecer, mas não na mesma velocidade.

Sempre que muitas pessoas querem comprar um ativo qualquer, seja ele uma ação, um título ou um imóvel seus preços vão subir. Quando no número de pessoas que querem vender é maior do que aquelas que querem comprar, os preços caem. A volatilidade no preço dos ativos no mercado financeiro evita a fila. Mas se não tem fila, como vamos saber qual ativo devemos comprar?

:: Finanças Tradicionais

Em 1880 um jovem jornalista nascido na pequena cidade de Sterling, Connecticut, resolveu abandonar seu antigo emprego e mudar-se para Nova York, para trabalhar em uma empresa que fazia relatórios financeiros. Em novembro de 1882, no porão de uma loja de doces, abriu sua própria agência em conjunto com um sócio: a Dow, Jones & Company. Esta empresa fundada por Charles Dow e Edward Jones fez história. Em 1896 criou o mais famoso índice de ações, o Dow Jones Industrial Average e em julho de 1889 criou o The Wall Street Journal. Mesmo com realizações tão notáveis, Charles Dow veio parar neste artigo por outro motivo.

Charles Dow tinha uma coluna no seu próprio jornal na qual analisava o mercado de ações da bolsa de Nova York. Após sua morte em 1902 estas colunas foram reunidas e daí surgiu a Teoria Dow, conhecida como análise técnica ou gráfica de ações. De modo bastante simples podemos dizer que a Teoria Dow busca predizer como a fila se formaria caso os preços dos ativos não fossem voláteis. Segundo esta teoria, analisando os preços passados e os volumes de negócios, podemos predizer os preços futuros dos ativos.

Este método ficou extremamente popular em Wall Street, particularmente durante a expressiva alta no preço das ações americanas na década de 1920, tão bem captada pelo índice Dow Jones. Sua imensa popularidade, segundo alguns estudiosos, até comprometeu as ideias originais de Dow. A crise de 1929, porém, abalou os alicerces da análise gráfica.

O livro Security Analysis de dois professores da Columbia Business School, Benjamin Graham e David Dodd, publicado em 1934, marca o surgimento de uma nova forma de analisar o preço de uma ação, o Value Investing. Segundo este método, o valor de um ativo está na sua capacidade de gerar lucros futuros, que pode ser estimada pelos fundamentos das empresas. Por este motivo a teoria também ficou conhecida como Análise Fundamentalista de ações. Em 1949, buscando trazer para o investidor individual os conceitos do Value Investing, Graham escreveu o livro Investidor Inteligente, que ficou extremamente conhecido por ter entre seus defensores ninguém menos que o mais famoso investidor de todos os tempos, Warren Buffett.

A divergência que se estabeleceu desde o primeiro momento entre os defensores da Análise Gráfica e da Análise Fundamentalista perdura até hoje. Enquanto grafistas e fundamentalistas de digladiavam surgiu um oponente externo muito mais poderoso.

:: Finanças Modernas

O artigo de Harry Markowitz Portfolio Selection, publicado no Journal of Finance em março de 1952, abalou o pressuposto adotado tanto por grafistas quanto fundamentalistas, de que um bom investidor deveria sempre buscar ganhar mais do que a média do mercado. Markowitz trouxe para a discussão o custo de tomar mais risco para obter mais retorno. Os conceitos abordados no artigo eram tão diferentes do que se fazia até então que abalou os alicerces das finanças, gerando um rompimento. A partir dele grafistas e fundamentalistas passaram a ser agrupados em Finanças Tradicionais e os seguidores de Markowitz em Finanças Modernas.

Fundador das finanças modernas

O estudo da relação entre risco e retorno, base das Finanças Modernas, continuou a evoluir, e nesta evolução destaco os trabalhos de Modigliani e Miller, William Sharpe e Eugene Fama, todos laureados com o prêmio Nobel de Economia.

Segundo as Finanças Modernas nenhuma informação pública sobre um dado mercado e seus ativos pode gerar uma expectativa de retorno sistemático superior à média do desempenho deste mercado. Ou seja, tanto as análises gráficas quanto fundamentalistas são inócuas na visão das Finanças Modernas.

Ora, se é impossível ganhar mais que a média do mercado, o que fazer? A resposta veio com a criação do primeiro ETF, Exchange-Traded Fund. Em 1993 Nathan Most, Steven Bloom e Ivers Riley lançaram na bolsa de Nova York o Standard & Poor’s Depositary Receipts (SPDRs) negociado com o código SPY que logo ficou conhecido como “Spider”, aranha em português. Este fundo ao invés de tentar ganhar mais do que a média do mercado busca empatar com ele, seguindo como objetivo um desempenho semelhante ao índice de ações Standard & Poor’s. Como? Simplesmente comprando as mesmas ações que compõem o índice em proporção semelhante à carteira teórica.

Para que o desempenho não fosse afetado por resgates e aplicações dos cotistas, este fundo é fechado para depósitos e resgates. Se o cotista quiser seu dinheiro de volta, precisa vender sua cota na bolsa. Se quiser investir no fundo, precisa ir na bolsa comprar a cota de alguém que queira vender.

Ou seja: um ETF é bastante semelhante a uma ação, só que em vez de o investidor comprar uma empresa, ele compra o lote de empresas que compõem o índice. Para um grafista ou fundamentalista, não faz o menor sentido. Como não poderia deixar de acontecer, Warren Buffett tornou-se um grande crítico do investimento em ETFs.

Mesmo com a oposição forte, os ETFs caíram nas graças dos investidores e hoje representam a classe de ativos que mais cresce no mundo. Chegaram à Europa em 1999 e ao Brasil em 2004 com a criação do pioneiro PIBB11 que segue o índice IBRX50. Este fundo tem conseguido um fantástico desemprenho, com uma incrível aderência ao índice. Ou seja, quem compra o PIBB11 está investindo nas 50 empresas mais líquidas da BM&FBovespa, ponderadas pelo seu valor de mercado. Ao pioneiro PIBB11 seguiram-se vários outros, entre eles o mais negociado: BOVA11, que segue o Ibovespa.

Mas, afinal: quem está certo? Aqueles que defendem que o mercado é eficiente e que, portanto, o melhor a fazer é comprar um ETF? Ou aqueles que acreditam que o mercado não é eficiente e tentam ganhar mais do que a média utilizando análise gráfica ou fundamentalista?

:: De volta aos restaurantes no deserto

Estamos novamente na pequena vila no deserto da Argentina. Uma hora antes da sua chegada, aqueles dois restaurantes estavam vazios. O primeiro cliente não tinha nenhuma informação sobre preços ou qualidade. Olhou para um e para o outro e resolveu entrar à direita. O segundo viajante preferiu entrar no mesmo restaurante porque lá já tinha um cliente, contando que este deveria ter alguma informação para ter feito sua escolha. Logo veio o terceiro, quarto e a fila começou se formar. Foi quando você chegou e precisou escolher entre o restaurante vazio e o lotado.

A única lógica de se escolher um restaurante pela fila que tem na porta é a confiança de que muitos clientes têm informações confiáveis ao fazerem sua escolha. Infelizmente, para aqueles que gastam tempo e dinheiro pesquisando, terão logo a companhia daqueles que nada gastaram e que apenas os seguem.

No mercado financeiro, a única possibilidade de o mercado financeiro ser eficiente é se muitas pessoas desconfiarem que o mercado não é eficiente e dedicarem seu tempo e seus recursos para descobrir ativos sub ou sobre avaliados. Com seu movimento, trarão os preços para seu valor justo. E importante: só terão seus custos cobertos pelo lucro que terão em comprar ou vender rápido, antes que todos os outros investidores os sigam.

As hipóteses entre eficiência e ineficiência dos mercados são antagônicas, porém, interdependentes. Quanto mais pessoas acreditarem que os mercados são eficientes mais ineficientes eles serão. Quanto mais pessoas duvidarem da sua eficiência mais eficiente eles serão. Então, o que fazer?

É inegável que existam ineficiências na determinação de preços dos ativos. Porém, acredito que o custo de descobrir esta ineficiência é tão elevado que não é rentável para um não-profissional gastar seus recursos e seu tempo buscando ganhar dinheiro especulando no mercado. Possivelmente aqui se encontre a explicação para o enorme sucesso que os ETFs vêm tendo.

O sucesso dos ETFs tem sido tão grande que hoje muitos ETFs vendidos lá fora pouco lembram a ideia inicial de Most, Bloom e Riley. Portanto, muito cuidado para não comprar coelho por lebre: muitos fundos lembram ETFs, mas nem todos o são.

Author

É doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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