Até o início do período industrial, a educação se dava preponderantemente de forma tácita. Conhecimento tácito é aquele que a pessoa adquire ao longo da vida, pela experiência, e é inerente às habilidades para executar tarefas cotidianas. Os saberes eram passados de pais para filhos e de mães para filhas.

Ler e fazer contas representavam aptidões de pouco valor para a maior parte da sociedade. Os nobres, os clérigos e os funcionários públicos graduados, para os quais a escrita e a matemática eram importantes, recebiam uma educação focada nas necessidades das corporações em que estavam inseridos. Geralmente um professor ou tutor transmitia os conhecimentos para poucas pessoas ou mesmo para apenas uma.

No início da era industrial, habilidades como ler, escrever e fazer contas básicas passaram a ser desejáveis para as massas. Assim, nasceu a escola tal qual a conhecemos hoje: massificada e formal, onde se define um grande pacote de conhecimentos que todos precisam aprender.

A massificação do ensino trouxe enormes ganhos para os países que se dedicaram a ensinar suas populações. O modelo utilizado trouxe conquistas espetaculares e era o único possível. Portanto, apenas criticar o que foi feito não é razoável. Se tivéssemos mantido os sistemas educacionais da Idade Média, o resultado teria sido terrível. Hoje, devemos pensar no que pode ser melhorado daqui para frente.

Eu sou fruto desse sistema massificado e tive um caminho relativamente tranquilo pelo ensino básico e médio, mas sei que não represento uma regra. Na juventude, passei a ter uma ideia fixa sobre o meu futuro. Desejava ter uma indústria, não sabia de que ramo, mas gostaria de um dia ter máquinas trabalhando para mim. Assim, passei a pensar sobre qual curso superior poderia ajudar no caminho para meu objetivo.

Escolhi Engenharia de Produção, porém na hora de me inscrever para o vestibular descobri que na Universidade Federal de Santa Catarina existiam três graduações diferentes: Produção Civil, Elétrica e Mecânica. Nenhuma das “opções” me agradava, e mudar de cidade era algo que minha condição econômica não permitia. Decidi por Civil, que me parecia menos indigesta.

Duas coisas me encantavam: frequentar os laboratórios de tempos e movimentos e estudar as ideias de Taylor, Fayol e Ford. Já as disciplinas de Engenharia Civil, eu detestava. Decidi abandonar essas cadeiras e, três anos e meio depois, já tinha cursado todas as matérias de Produção, mas abandonei a graduação. Para as estatísticas, eu era um derrotado.

Entrei no curso de Economia e tive outra decepção. Fui para Administração pensando em aprender a gerir uma empresa, entretanto meus professores não tinham nenhuma experiência prática e queriam ensinar os alunos a serem empregados do setor público. Nova decepção, mas dessa vez fui até o fim.

Depois de formado, montei uma empresa na área de reciclagem de plástico e descobri que muito pouco do que tinha aprendido na universidade ajudava no meu caminho como empresário. Mesmo antes da minha formatura oficial, comecei a dar aulas de matemática financeira em uma universidade, era uma matéria que a maioria dos alunos detestava. Lá estava eu perpetuando o modelo em que fui formado. Eu sabia que aquilo estava errado, mas não sabia como consertar.

No livro “Zen e a arte da manutenção de motocicletas”, de Robert M. Pirsig, publicado em 1974, li uma proposta para a educação que faz todo o sentido. Um dos personagens é um professor que imagina uma universidade em que seus colegas de profissão ensinam, mas os alunos não têm nenhum retorno sobre o desempenho, não existem notas, provas ou chamadas. Assim, quando uma disciplina não faz sentido para um aluno, ele simplesmente abandona as aulas. O mais importante: quem não tem o que ensinar fica sem alunos e, portanto, deixa de ser professor. A ideia é linda, mas parece totalmente utópica.

No início dos anos 1990, tomei conhecimento de uma entrevista que Isaac Asimov deu para Bill Moyers no programa “World of Ideas” em 1988. Essa entrevista hoje é facilmente acessada, eu recomendo a leitura. De forma muito resumida, Asimov disse que naquela época o que as pessoas chamavam de aprendizado era algo imposto aos alunos. Todo mundo era obrigado a aprender a mesma coisa, no mesmo dia, na mesma velocidade e na mesma sala de aula.

De forma surpreendente, ele ainda previu: “No futuro existirão bibliotecas enormes, onde qualquer pessoa possa fazer perguntas e ter respostas, acessar materiais de referências, sobre qualquer assunto em que esteja interessada em saber, em sua própria casa, no seu próprio ritmo. Parece-me que é através desta máquina que, pela primeira vez, vamos ser capazes de ter uma relação ‘um para um’ entre a fonte de informação e os consumidores de informação. Todos podem ter um professor, sob a forma de acesso aos conhecimentos acumulados da espécie humana. Um aspecto fundamental [dessa máquina de aprender] é que ela terá uma tela na qual coisas aparecem. Eu acho que isso também pode acontecer com um comando de voz. Você poderia falar com essa coisa e essa coisa poderia falar com você: ‘Tenho algo aqui que pode lhe interessar’”.

A internet é hoje essa enorme biblioteca. A máquina de aprender já é realidade. Mas continuamos ensinando como se ela não existisse.

Usando uma analogia, seria como se existisse um enorme buffet de alimentação, porém os comensais não pudessem fazer nenhuma escolha. Para cada um seria oferecido um prato feito com uma enorme variedade de alimentos. E cada comensal precisaria comer ao menos 60% de todos os alimentos servidos. Se quiser mais quantidade ou variedade não pode pegar, se quiser menos não pode recusar.

Infelizmente nossas escolas e universidades continuam, por inércia ou comodismo, mantendo a educação da era industrial. Para sermos competitivos na era do conhecimento, precisamos revolucionar a educação. Se não o fizermos, estaremos condenados ao atraso.

O Brasil pagou um preço elevado pelo atraso na educação da era industrial. Agora temos a chance de revolucionar a educação por meio do modelo digital. A hora de agir é agora, mas infelizmente como professor universitário há 35 anos acredito que a mudança não será endógena.

Por isso, acho fundamental que os empresários se envolvam diretamente com o futuro da educação. É preciso evidenciar que o modelo da era industrial já cumpriu seu papel e que a formação atual massificada e inflexível pode mudar para um modelo flexível e adaptativo em que o professor não é mais o centro do conhecimento, mas intermediador da aprendizagem.

Praticamente todas as empresas que utilizam mão de obra qualificada vêm tendo enorme dificuldade para encontrar pessoas aptas para os postos de trabalho mais especializados. E isso só tende a se intensificar: o trabalho mediado pela tecnologia derrubou as fronteiras geográficas do trabalho. Agora as empresas não competem por cérebros apenas na sua região geográfica, pois a concorrência se tornou mundial.

É fundamental e urgente revolucionar a educação se quisermos ser um país relevante na economia do futuro. Será que vamos aproveitar todas as enormes possibilidades da educação digital ou vamos ficar parados vendo as chances de futuro escorrerem pelos nossos dedos?

Author

É doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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