Fernanda Torres fez história ao vencer o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama por sua atuação em Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles. No filme, a atriz interpreta Eunice Paiva, que lutou por décadas para descobrir o paradeiro de seu marido, Rubens Paiva, desaparecido durante a ditadura militar no Brasil.
Mesmo abordando um dos períodos mais tristes da história do país, o filme começa retratando a vida tranquila da família Paiva no Rio de Janeiro dos anos 1970. Essa normalidade é abruptamente interrompida quando Rubens é preso e desaparece, forçando Eunice a se reinventar e a transformar sua dor em resiliência e força, tornando-se uma figura central na luta pelos direitos humanos no Brasil.
Saí do filme refletindo sobre quantas famílias seguiram com suas rotinas tranquilas, alheias ao sofrimento de tantas outras que foram dilaceradas naquele período. Quantos fecharam os olhos para as atrocidades cometidas em nome de um projeto nacionalista? Será que essa indiferença, transformada em nostalgia seletiva, não é justamente o que alimenta o saudosismo de tantos pela ditadura militar?
Ainda Estou Aqui não é apenas um relato sobre a ditadura, mas um tributo à coragem, ao amor e à resiliência de uma família, ressaltando a importância dos laços afetivos. O filme não é um relato sobre a ditadura, mas, sobre uma família que sofre suas consequências. A vitória de Fernanda Torres encheu de orgulho a maioria dos brasileiros e representa um marco para nossa cultura.
Cultura é o conjunto de conhecimentos, valores, crenças, costumes, tradições, comportamentos e expressões artísticas que caracterizam um grupo social, uma sociedade ou uma civilização. Ela é a base da identidade de um povo. Cultura e patriotismo estão profundamente interligados, pois, enquanto a cultura define essa identidade, o patriotismo reflete o orgulho e a valorização dela. A cultura abrange as tradições, a história, a língua, as expressões artísticas e os valores de uma nação, enquanto o patriotismo incentiva sua preservação e celebração.
Evidentemente, o filme não agradou a todos. Muitos radicais de direita, defensores da ditadura, tentaram boicotá-lo. É interessante perceber como os extremistas, sejam de direita ou de esquerda, se opõem à verdadeira cultura, aquela que surge espontaneamente da vivência de um povo. Ela incomoda os radicais porque não pode ser criada ou imposta por governos, mas emerge da interação social ao longo do tempo, refletindo a identidade e os valores de uma comunidade. Como não pode ser controlada, o autoritarismo — independentemente da ideologia — vê a cultura como um problema, pois ela estimula o pensamento crítico, a diversidade de ideias e a liberdade de expressão.
Radicais de direita temem a cultura quando a enxergam como um espaço dominado por valores progressistas que desafiam tradições e a moral conservadora. Já os radicais de esquerda veem a cultura tradicional como um instrumento de dominação e buscam desconstruí-la ou substituí-la por novas narrativas alinhadas à sua ideologia. Dessa mentalidade surge a ideologia do politicamente correto, que tenta banir obras, discursos e até expressões artísticas consideradas ofensivas ou reprodutoras de desigualdades.
Como a cultura é antidogmática, ela desafia constantemente a visão de mundo daqueles que se prendem a dogmas e a uma concepção estática da realidade. A cultura não é fixa. Ela evolui conforme as interações entre diferentes sociedades, as transformações históricas e as inovações tecnológicas, sendo constantemente influenciada por fatores internos e externos.
A cultura é um dos pilares do patriotismo, que representa o sentimento de orgulho e amor à pátria. Infelizmente, o patriotismo vem sendo frequentemente confundido com o nacionalismo, que é a exaltação extrema da própria nação em detrimento de outras. Um exemplo claro de nacionalismo é Donald Trump, que prioriza os interesses dos EUA com o slogan America First, defendendo protecionismo econômico, abandono de tratados internacionais, endurecimento da imigração, negação do aquecimento global e até mesmo a incorporação forçada de outras nações.
Nacionalistas admiram líderes fortes porque os veem como defensores da soberania, da ordem e dos valores tradicionais, acreditando que um governo firme é essencial para proteger a nação e enfrentar ameaças, reais ou imaginárias, sejam internas ou externas. Usam a máscara do patriotismo para justificar o autoritarismo, retratando-se como os únicos verdadeiros defensores da pátria e classificando opositores como traidores. Essa estratégia manipula emoções coletivas, tenta silenciar divergências e consolida poder em nome do bem nacional.
Como a cultura, por definição, não se curva ao autoritarismo, ela é vista como subversiva e contrária ao “bem da nação” — sendo que esse “bem”, na verdade, nada mais é do que aquilo que a visão estreita dos radicais considera correto.
Acredito que precisamos resgatar o patriotismo do povo brasileiro, mostrando que ser patriota nada tem a ver com ser nacionalista. O patriotismo valoriza a cultura nacional sem desrespeitar outras culturas, reconhecendo que a troca cultural pode enriquecer a própria identidade de um país.
A vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro simboliza a força da cultura brasileira e a importância de preservar nossa identidade. Filha de Fernanda Montenegro e Fernando Torres, ela representa um legado artístico que atravessa gerações, reafirmando a relevância da arte nacional. Ainda Estou Aqui, ao retratar um período sombrio da história do Brasil, reforça a necessidade de reconhecer o passado sem distorções, permitindo que a cultura cumpra seu papel de memória e reflexão. A arte autêntica não apenas registra fatos, mas os traduz em emoção, despertando consciência e promovendo diálogo.
Esse reconhecimento internacional deve nos lembrar da importância de resgatar o verdadeiro patriotismo, que valoriza a cultura sem cair no nacionalismo excludente. Ser patriota não é impor uma visão única da história, mas celebrar nossa arte, nossa diversidade e nossa capacidade de evolução. A cultura é um dos maiores patrimônios de um país, protegê-la é essencial para fortalecer nossa identidade e garantir que a liberdade de expressão continue sendo um pilar da nossa sociedade.