O termo bucket list se originou da expressão to kick the bucket, que em português corresponde a chutar o balde. É utilizado alusivamente para indicar uma pessoa que está com a corda no pescoço, em cima de um balde, e decide chutá-lo. Uma bucket list se refere, portanto, a coisas para fazer antes de chutar o balde, ou seja, coisas para fazer antes de morrer. No filme com o título Bucket List (Antes de Partir, na versão brasileira), Carter Chambers (Morgan Freeman), um simples mecânico, e Edward Cole (Jack Nicholson), um rico empresário, estão internados num mesmo quarto de hospital, por obra do acaso, e descobrem que têm poucos meses de vida.

A partir desse improvável encontro, ambos decidem elaborar uma lista de coisas para fazer em conjunto antes de morrer. A comédia melodramática coloca dois homens muito diferentes em um mesmo barco onde as limitações financeiras subitamente deixam de existir para reforçar a mensagem de que a boa vida só tem sentido com a família e os verdadeiros amigos. O amor é mais importante que o dinheiro, porém, antes de chegar a isto o filme explora à exaustão todos os clichês sobre tudo de bom que o dinheiro pode comprar.

A morte é nossa única certeza e, no entanto, a consciência que temos dela é aquela que mais negamos. Em outras palavras, aquilo que mais sabemos é o que menos queremos saber. E há boas razões para que seja assim. Se não obliterássemos de nossa consciência todos os riscos iminentes à nossa tão frágil vida, simplesmente não viveríamos: estaríamos confinados em algum cômodo com medo de uma bala perdida, de uma picada de mosquito, de um atropelamento na calçada. Não comeríamos comida industrializada nem fumaríamos. Não tocaríamos em dinheiro. Não usaríamos carro ou avião, e muito menos uma bicicleta. Para viver precisamos cotidianamente esquecer a morte.

Mas a morte insiste em nos lembrar de sua presença em algum futuro que nunca sabemos a que distância está. Assim, nos apegamos a algum consolo, algum modo de driblar a morte e seguir negando-a. As religiões em geral, e a ideia de vida eterna em particular, nos proporcionam as promessas de recompensas, de reencontros e de reencarnações. Gostamos de pensar que a vida continuará de alguma maneira. No entanto, não temos segurança disso. Em algum momento, se valorizamos esta vida, é saudável que nos coloquemos a questão de que fazer com ela, especialmente na medida em que a idade avança e o inevitável se aproxima, assim como no filme.

É saudável que, na medida do envelhecimento e da perda da vitalidade, e ainda mais diante de um prognóstico de terminalidade, o ser humano encare a finitude de frente. Só assim a pessoa se faz agente de seu próprio destino, na medida do possível. Ter meios materiais para isso – o que nem todos têm, sabemos bem disso – torna a pessoa ainda mais moralmente responsável por fazer opções.

Sócrates incitava seus contemporâneos a se perguntarem por qual motivo faziam o que faziam; por qual motivo levavam a vida que levavam. Toda a filosofia que se seguiu a ele se dedicou a compreender o sentido da vida e da morte. Um dos grandes difusores da filosofia e precursor da boa literatura de auto-ajuda, Michel de Montaigne, afirmava que “meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade” e que “filosofar é aprender a morrer”. Aprender a morrer é sinônimo de aprender a viver, portanto. Se você nos acompanhou até aqui na leitura deste artigo, é porque tem coragem suficiente para filosofar também.

Porque nossa expectativa de vida hoje está muito expandida em relação a nossos antepassados, e por termos muito maiores facilidades (meios de locomoção, acesso a informação, capacidade de consumo etc), como já dissemos, temos a obrigação moral de fazer bom uso de nosso tempo de vida, especialmente na medida em que sabemos que ele vai se reduzindo.

Na Amazon você pode encontrar mais de 200 livros com listas do que fazer antes de morrer: lugares para visitar, vinhos para beber, músicas para ouvir, obras de arte para apreciar etc. Você pode inclusive consultar o livro de Lorens Rhoads com 199 cemitérios para conhecer antes de morrer. Talvez a autora tenha deixado o de número 200 para ser o da última morada do seu leitor.

Sim, é preciso algum humor para lidar com a morte. É preciso principalmente coragem e mais filosofia, nesta nossa sociedade de consumo imediato e de hedonismo superficial. Os livros com listas prontas banalizam e normatizam nossos desejos. Pense sua própria bucket list, faça uma séria introspeção sobre o que é importante de verdade para você.

Para muita gente “aproveitar a vida” significa viajar. Para outros pode ser simplesmente estar à beira de um rio pescando. Quem não tem uma lista de coisas para enfim realizar “quando estiver aposentado”, mas que, quando o momento chega, segue protelando? Aprender um novo idioma, aprender um instrumento, voltar a pintar como fazia na juventude, engajar-se em atividades voluntárias de ajuda ao próximo.

Que projetos você quer realizar? Que lugares quer conhecer? Mas, sobretudo, que relações deseja reparar, o que você gostaria de dizer às pessoas que de verdade importam, antes que por alguma peça do destino você não possa mais fazê-lo? Dizer que amamos a quem amamos, pedir perdão a quem magoamos e, mais difícil ainda, perdoar a quem nos magoou. Estar pacificado, enfim.

No sensível filme de Paolo Sorrentino, A Grande Beleza, o protagonista Jep Gambardella, um jornalista desiludido com a vacuidade da buona vitta, nos dá um conselho também do que não fazer. “A descoberta mais consistente que fiz depois de completar 65 anos”, ele diz em algum momento, “é que não posso mais perder tempo fazendo coisas que não tenho vontade de fazer”. Já é um bom começo.

Ronnie, neste artigo contei novamente com a colaboração do Ercy Soar

Author

É doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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