Ao longo das últimas três décadas, dediquei-me ao tema das finanças pessoais, sendo a preparação para a aposentadoria um dos tópicos mais recorrentes. Pois bem, agora chegou a hora da minha própria aposentadoria. Neste artigo vou relatar um pouco do meu trajeto que eventualmente pode servir para quem está se preparando para a sua própria aposentadoria.
Certamente, preparei-me muito bem sob o ponto de vista financeiro; porém, a aposentadoria é muito mais do que poder se sustentar.
Trabalhar vai além de cumprir tarefas e receber um salário; é uma fonte de propósito, identidade e comunidade. A rotina diária, as interações com colegas, os desafios enfrentados e superados e a sensação de contribuir para algo maior do que nós mesmos são aspectos fundamentais da nossa vida profissional que, muitas vezes, são subestimados.
Quando a aposentadoria não é bem planejada, a perda da identidade profissional pode levar à solidão e até mesmo à depressão.
Evidentemente, para muitos, o trabalho é apenas uma fonte de renda, e o labor é tido como um pesado fardo. Este nunca foi o meu caso; sempre vi o trabalho como fonte de alegria e propósito. Por isso, durante muito tempo, quando me perguntavam sobre minha aposentadoria, sempre dizia que só abandonaria a universidade quando chegasse ao limite legal e que a aposentadoria fosse compulsória.
No entanto, desde janeiro de 2023, o anseio pela aposentadoria começou a crescer em mim e, no dia 6 de dezembro, dei um passo decisivo ao solicitar minha aposentadoria, efetivada em fevereiro deste ano, marcando o fim de uma extensa e gratificante jornada na educação e na Universidade Federal de Santa Catarina.
Minha relação com a Universidade Federal de Santa Catarina iniciou-se em março de 1980, como aluno do curso de Engenharia de Produção Civil.
Ser professor nunca esteve nos meus planos; contudo, logo após a minha formatura, um colega da empresa onde trabalhava propôs-me substituí-lo durante as férias de julho, ministrando aulas de matemática financeira em um curso de recuperação.
Pensei que a tarefa de dar aulas durante três noites por semana por um mês seria passageira; no entanto, ao sair da sala no primeiro dia, percebi que aquela tinha sido uma das melhores noites da minha vida. Assim, já em agosto do mesmo ano, iniciei como professor regular na Fundação de Ensino do Vale do Itajaí, atualmente Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
Em 1988, voltei como aluno à UFSC para um curso de especialização e, em 1991, iniciei um mestrado em Engenharia de Produção. Em 1993, tornei-me professor da UFSC. Comecei como professor substituto e alcancei o posto de Professor Titular, o topo da carreira do magistério superior.
Portanto, a minha história com a UFSC remonta a 44 anos, sendo 31 anos como professor, ou seja, a maior parte da minha vida está ligada à instituição, pela qual sou profundamente grato. Tomar a decisão de me aposentar não foi fácil; porém, vários fatores mostraram que talvez fosse a hora certa de parar.
Ter condições financeiras foi certamente um aspecto fundamental. Felizmente, apliquei na minha própria vida tudo o que sempre ensinei sobre reservas financeiras para a aposentadoria.
Ao longo da vida procurei viver com um pouco menos do que a minha remuneração e tive muito cuidado com meus investimentos. Quando falo em viver com menos do que recebia, pode-se pensar que vivi uma vida de restrições financeiras. Longe disso, o que sempre fiz foi ter muito cuidado com o desperdício, e considero que o maior desperdício que sempre evitei foi gastar para obter status social.
Quanto aos investimentos, o retorno que obtive ao longo dos anos esteve sempre relativamente próximo da média do mercado. Realizei alguns investimentos que proporcionaram retornos excepcionais e outros que foram medíocres.
Acredito que dois fatores me ajudaram muito, os quais podem servir de lição para quem está no caminho da construção de uma reserva para a aposentadoria. O primeiro foi a diversificação e o segundo, os aportes constantes em bons investimentos ao longo da vida.
Decidi parar de dar aulas na universidade enquanto ainda amava estar em sala de aula. E esse “ainda” foi um dos principais fatores que me levou a desistir de continuar até a aposentadoria compulsória, que era o meu plano inicial. O “ainda” significava que ministrar aulas estava se tornando cada dia mais desafiador.
Quando comecei no magistério, os alunos se distribuíam conforme a clássica curva normal de Gauss. Havia dois ou três alunos muito fracos e um número similar de alunos excepcionais. Eu dava aulas mirando os alunos que estavam cerca de 20% acima da média, de modo que os que estavam abaixo da média, com algum esforço, conseguiam aprovação e isso não desestimulava os bons alunos.
Atualmente, o número de alunos desinteressados, apáticos ou totalmente despreparados não parava de crescer; no entanto, no outro extremo, havia cada vez mais alunos excepcionais. Alunos motivados que sabem utilizar bem os fantásticos recursos que a internet oferece vão muito além daquilo que é ensinado em sala de aula.
Então, era colocado no duro dilema de negligenciar a imensa maioria dos alunos ou então abandonar os ótimos alunos, que perdiam completamente o interesse na matéria.
O sistema altamente engessado das universidades federais brasileiras ainda mantém professores e alunos presos a práticas de ensino obsoletas. Percebi que a mudança, se vier, levará mais tempo do que disponho. Na era da inteligência artificial, a universidade funciona em um modelo concebido para a revolução industrial.
E agora, o que me aguarda?
Além do ensino, construí uma atividade agroflorestal à qual pretendo dedicar mais tempo após a minha aposentadoria. Além disso, pretendo continuar por mais alguns anos com as consultorias, e para isso, espero que continue havendo demanda.
Me aposentei da UFSC, mas não pretendo deixar de ser professor. Percebi que, por meio de novos instrumentos como as redes sociais, podcasts, cursos curtos, artigos e aulas virtuais, meu trabalho pode alcançar cada vez mais pessoas, o que espero que continue satisfazendo meu senso de propósito.
Acredito que a nova aposentadoria está longe do sentido original da palavra, recolher-se aos aposentos; se tomei a decisão correta ou não, só o tempo vai dizer.