Olhando para o quadro devastador de mortes e sofrimento gerado pela COVID-19 no mundo e no Brasil, é bastante difícil não se deixar assolar por um clima de desânimo e desesperança. Porém, com um pouco mais de distanciamento histórico, podemos notar visíveis sinais de esperança na maneira como estamos vencendo esse inimigo e evoluindo enquanto sociedade.

Se olharmos com detalhe para o século passado, encontraremos uma coleção de fatos que certamente nos causam surpresa e indignação no presente. Vou pinçar dois, mas seria possível escrever um livro inteiro se fôssemos fazer um levantamento sistemático dessa coleção.

Em 1944, um comercial de TV fez sucesso nos EUA com o slogan “mais médicos fumam Camel do que qualquer outro cigarro”. Slogans como “Cuide de sua saúde, fume Chesterfield” ou “Você nunca sente que fumou demais. Esse é o milagre de Marlboro”. Era uma época que se receitava cigarro a mulheres grávidas para evitar os característicos enjoos desse período.

O prêmio Nobel de Medicina de 1949 foi concedido ao neurocirurgião português António Caetano de Abreu Freire de Resende, conhecido popularmente como António Egas Moniz. Ele foi responsável pelo desenvolvimento da lobotomia, procedimento médico que consistia em fazer dois orifícios no crânio por onde eram inseridos instrumentos afiados, semelhantes a um picador de gelo. Milhares de pessoas foram lobotomizadas, inclusive crianças. Essa cirurgia que hoje mais parece enredo de filme de terror só perdeu popularidade na década de 1970.

Menos de 50 anos depois fomos chacoalhados pela pandemia da COVID-19. Em menos de um mês, foi feito o sequenciamento genético do vírus. Em menos de um ano, estão sendo produzidas mais de dez vacinas eficazes contra o inimigo. Também tivemos uma taxa de morte significativamente menor que a da pandemia da gripe espanhola, quando segundo estimativas entre 2,5% e 5% da população morreu. Nesta pandemia, em que os meios de transporte e a globalização favorecem a disseminação do patógeno, a mortalidade atinge 0,031% da população. É evidente que isso não minimiza o terror diante dos 2,5 milhões de vidas perdidas até aqui. Mas nos mostra que evoluímos no enfrentamento desse tipo de problema.

Estamos no limiar de uma nova revolução tecnológica, com inteligência artificial, reconhecimento de voz e facial, internet 5G e 6G, blockchain, telemedicina e medicina genética. E a tecnologia tem impactado diretamente não só o combate ao vírus, como a qualidade e a expectativa de vida dos seres humanos. Assim, uma revolução menos notória e mais impactante para nossa vida está em curso: a longevidade.

Quando eu nasci em 1961, apenas 10% dos brasileiros tinham mais que 50 anos. Quando eu completei 50, 13% dos brasileiros tinham idade maior ou igual à minha. Agora em 2021, o número de brasileiros 50+ já representa 26% da população, ou seja, o percentual de grisalhos dobrou em uma década. E em 2050, vai chegar a 43%.

Esses números por si só não contam toda a história. Em 1961, os 60+ representavam 5% da população e apenas 1,7% das pessoas tinham mais de 70 anos. Ou seja, quando um cidadão de 50 anos olhava para frente, via uma probabilidade baixa de ainda viver muitos anos. Em 2050, quando um cinquentão olhar para frente, vai ver que 29,4% da população será 60+ e 16,3%, 70+.

Hoje, ao chegar aos 50 anos, homens e mulheres podem olhar para o futuro e contemplar um longo período de vida produtiva pela frente.

Parece incrível, mas em 1975 a dupla Washington Olivetto e Francesc Petit conquistou primeiro Leão de Ouro do Brasil em Cannes com o comercial “Homem de 40 anos”. A peça tentava convencer os empresários de que homens com mais de 40 anos ainda poderiam ser úteis e produtivos. Ironicamente, o comercial não falava das mulheres, como se elas não estivessem no mercado de trabalho.

A revolução da longevidade vai reconfigurar a sociedade de uma maneira muito mais profunda do que aparenta. Com uma visão estreita, podemos pensar que teremos uma sociedade com muito mais velhos, só que isso não é verdade.

James W. Vaupel, um dos mais destacados demógrafos da atualidade, é o diretor fundador do Instituto Max Planck de Pesquisa Demográfica em Rostock na Alemanha. Segundo ele, a expectativa de vida não está aumentando como resultado de uma desaceleração no processo de envelhecimento. Em vez disso, o processo de envelhecimento está sendo adiado. A velhice está sendo atrasada, pois estamos ficando jovens por mais tempo.

Vejo muitos empresários preocupados com as mudanças tecnológicas que vivenciamos, porém vejo poucos se preocupando com as significativas mudanças que a longevidade vai trazer.

Infelizmente, a longevidade ainda é vista de forma viesada, focada apenas nos problemas que ela pode acarretar. Sim, é verdade, muitas pessoas não se preparam adequadamente para viver mais. São pessoas que não cuidaram, por decisão ou por impossibilidade, da saúde física e financeira, que têm dificuldade de acompanhar as mudanças sociais e tecnológicas atuais.

Porém, existe um contingente enorme de grisalhos gozando de ótima saúde, com capacidade de trabalho, com dinheiro para consumir e aproveitar a vida – mas ainda são poucas as empresas que se deram conta disso. É bom lembrar que muito em breve quase a metade da população brasileira terá mais de 50 anos. Esse contingente não vai estar calçando as pantufas e vestindo o pijama para se recolher em um canto a fim de aproveitar a aposentadoria. Longe disso. Grande parte dos grisalhos está cheia de planos de novas carreiras, de desenvolvimento de novas habilidades. Por isso, os 50 já são chamados de segunda adolescência.

Quando olhamos para a crise que estamos enfrentando, é difícil não desanimar. Além da enorme crise sanitária ainda vivemos uma crise política no Brasil e no mundo, onde quem tem mais poder econômico tem acesso à vacina e quem não tem fica ao deus-dará. Porém, quando olhamos com o devido distanciamento, podemos notar enormes ganhos que a sociedade vem alcançando e, sem dúvida, o aumento da expectativa de vida é um dos mais significativos.

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É doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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