Passei 38 anos da minha vida sendo remunerado para falar, o que é um pouco estranho, pois, até meus vinte e poucos anos, sempre fui uma pessoa muito tímida. Assim como a maioria das pessoas, tinha pavor de falar em público. Quando consegui superar essa barreira, o mundo passou a me tratar melhor, pois a associação entre o sucesso e a habilidade de falar bem em público está profundamente enraizada em fatores culturais, históricos e psicológicos da nossa sociedade.
Aqueles que falam bem em público tendem a ser mais visíveis em reuniões, palestras e eventos. Essa exposição coloca quem tem facilidade em falar em posições de destaque, reforçando a percepção de sucesso e liderança. A clareza e a confiança na fala também transmite credibilidade e competência, características altamente valorizadas em nossa sociedade. Pessoas que dominam a arte de se expressar conseguem convencer e inspirar, destacando-se em ambientes competitivos.
No entanto, essa visão desequilibrada ignora a importância da escuta ativa, que é extremamente relevante para o sucesso, seja de executivos ou de tantas outras profissões. Após minha aposentadoria da universidade e o fim do compromisso regular de dar aulas, tenho refletido cada vez mais sobre o valor da escuta. Assim, neste artigo, quero trazer duas lições sobre a importância de ouvir que aprendi no início da minha carreira profissional.
Logo após minha formatura, montei uma indústria de reciclagem de plásticos. No início, um dos principais produtos eram mangueiras pretas, usadas na época como conduítes ou para transporte de água.
Eu tinha um vendedor que, sozinho, vendia 80% da minha produção. Ele era excelente e, por isso, acabou recebendo uma proposta para trabalhar em uma grande empresa. Fiquei desolado. Percebendo minha dificuldade, ele me deu um sábio conselho: que eu mesmo assumisse as vendas das empresas que ele atendia.
Como nunca tinha vendido, ele se propôs a me ensinar o ofício. Na primeira empresa que visitamos, eu estava apressado, querendo logo tirar o pedido, enquanto ele, calmamente, deixava todos os outros vendedores passarem à frente. A sala, pequena e quente, era dividida por uma meia parede, e podíamos escutar o que era dito do outro lado. Quando finalmente fomos atendidos, o comprador mostrou-se muito mais amistoso do que havia sido com os outros vendedores. Eles conversaram sobre algumas questões pessoais e, depois de algum tempo, ele conseguiu fechar um bom pedido.
Ao sairmos, ele me perguntou o que eu tinha aprendido. Confesso que não fazia a menor ideia de qual era o seu “segredo”. Então ele explicou: todos os outros vendedores falavam sem parar enquanto estavam com o comprador, mas ele sempre ia disposto a escutar. Com isso, conseguia saber sobre a vida pessoal do comprador, os problemas da empresa e outras informações úteis. A grande lição, disse ele, é que temos duas orelhas e apenas uma boca, o que significa que devemos escutar mais e falar menos. Afinal, as pessoas gostam mais de serem ouvidas do que de escutar.
Nem sei se ele sabia que essa já era uma lição ensinada pelo filósofo grego Zenão de Cítio, que viveu cerca de 300 anos antes de Cristo. Mesmo sendo uma lição muito antiga, só fui aprender isso com meu vendedor.
Outro aprendizado foi no meu mestrado quando participei de uma consultoria da universidade em uma grande processadora de soja visando resolver o problema do índice de umidade do farelo de soja.
A umidade máxima aceita era de 13%. Se a soja tivesse um teor de umidade muito menor, a empresa “deixaria de vender água”, incorrendo em prejuízo. Por outro lado, se a umidade fosse maior, o farelo poderia mofar, o que poderia levar à rejeição de uma carga inteira em um porto estrangeiro.
O objetivo, portanto, era manter o farelo com um índice entre 12% e 13% de umidade. O problema era que o processo quase nunca se estabilizava: ora a soja chegava na saída do secador com menos de 10% de umidade, ora ultrapassava os 15%.
Nossa equipe trabalhava duro para encontrar a solução. Um dia, um funcionário antigo veio conversar comigo e perguntou o que estávamos fazendo ali. Expliquei o problema, e ele mencionou que, no topo do secador, havia uma grade onde frequentemente se formava uma bola de farelo úmido. Essa bola dificultava a descida da soja recém-esmagada, e a pouca quantidade que conseguia passar recebia muito calor. Quando a bola finalmente se rompia pela pressão, uma grande quantidade de soja descia de uma vez, mas o calor não conseguia secar tudo adequadamente, e o processo não se estabilizava.
Para resolver o problema, ele sugeriu a instalação de hélices giratórias no topo do secador para evitar a formação das bolas de farelo. Perguntei por que ele nunca havia dado essa solução, e ele disse que nunca soube que aquilo era um problema. “Bingo!” A consultoria havia encontrado a solução.
Sempre gostei de falar sobre a importância da escuta nos diversos cursos que ministrei para assessores de investimentos. No entanto, frequentemente recebo contatos de gerentes de bancos e agentes autônomos de investimentos que, após uma rápida apresentação, passam a falar sem parar sobre todas as vantagens de seus produtos e plataformas de investimentos. E o pior é que, muitas vezes, vêm com conceitos pré-definidos baseados na minha idade. São raros os que dedicam tempo para estabelecer uma relação e entender meu momento de vida e meus objetivos.
Associamos a fala a um processo ativo e, erroneamente, o ouvir como um processo passivo. No entanto, ouvir também é um processo ativo de captar fatos, emoções e valores do interlocutor. Escutar é essencial para entender os objetivos do outro. Quando você fala, revela informações sobre si mesmo. Quando ouve com atenção, pode entender o outro, o que é crucial para construir confiança e fortalecer relacionamentos.
Vivemos em uma sociedade em que se fala muito, mas se escuta muito pouco. Estamos imersos em um ruído constante — seja nas redes sociais, nas ruas ou até mesmo nas nossas interações pessoais. Todos querem falar, expressar suas opiniões, se fazer ouvir, mas quem, de fato, está disposto a escutar?
Assim, é natural que cada vez mais pessoas recorram a terapeutas para serem ouvidas. Ter um terapeuta que nos escute e nos ajude a ouvir a nós mesmos é algo positivo. Porém, talvez seja hora de valorizarmos, em nosso dia a dia, a arte da escuta, tão negligenciada pela hipervalorização de quem fala.
As empresas vêm, há algum tempo, buscando valorizar a escuta ativa como ferramenta essencial para melhorar a colaboração, compreender clientes e fortalecer a cultura organizacional. Elas entenderam que líderes que ouvem ativamente promovem inovação, tomam decisões mais informadas e criam ambientes inclusivos e produtivos, reconhecendo que ouvir é crucial para o sucesso corporativo.
Ouvir vai muito além de simplesmente captar palavras. É um processo ativo que exige atenção, empatia e, sobretudo, silêncio. É curioso como associamos a comunicação ao barulho — vozes, discursos, debates —, mas a verdadeira comunicação, muitas vezes, se dá no silêncio, entre uma pausa e a fala.
A escuta atenta é um ato de generosidade. É deixar o outro se expressar sem interrompê-lo, sem antecipar respostas, sem pressa. Esse é um dos grandes desafios da nossa era: estamos cada vez mais impacientes, sempre correndo de um ponto ao outro, e acabamos nos esquecendo da importância de parar e escutar. A arte de ouvir nos convida a desacelerar, a abandonar o ego que quer sempre ser o protagonista e a aprender a estar presente.
Seja como executivos, médicos, arquitetos, consultores financeiros ou profissionais de tantas outras áreas, e até mesmo em nossa vida pessoal, é fundamental praticar e valorizar a escuta ativa.