Consumir cada vez mais tornou-se uma marca da sociedade contemporânea, onde o consumo é visto não apenas como uma forma de satisfazer necessidades e desejos, mas também como um meio de alcançar status, pertencimento e realização pessoal. O desejo de pertencimento leva à necessidade de se adequar a padrões de consumo cada vez mais elevados, resultando em um consumismo irracional e desenfreado.

Em um passado recente, o consumo da nobreza e das pessoas no topo da pirâmide era exibido para um círculo restrito. Porém, no último meio século, além de consumir, é preciso exibir, fenômeno que se exacerbou com as redes sociais. Assim como em uma corrida armamentista, o objetivo parece ser superar os outros em termos de poder aquisitivo, estilo de vida e status social.

“Que carro eu devo comprar?” O maior e melhor que seu dinheiro puder pagar, responde o vendedor. Mas por que eu deveria comprar um carro maior do que minhas necessidades? Pela segurança que ele proporciona.

Segundo o National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), motoristas de SUVs e caminhonetes com mais de 2,2 toneladas são aproximadamente 50% mais seguros em acidentes fatais, em comparação com carros menores.

Esse argumento tem levado muitos americanos, e uma parte significativa da elite econômica brasileira, que costuma se inspirar nas classes mais afluentes dos EUA, a comprar carros cada vez maiores.

Uma matéria de 5 de setembro da revista The Economist, intitulada, em tradução livre, “O que fazer com os carros assassinos da América?”, revela que as estradas americanas são quase duas vezes mais perigosas do que a média dos países ricos, resultando em quase 40.000 mortes anuais. Para efeito de comparação, em 20 anos de Guerra do Vietnã morreram 58 mil americanos, e desde então, menos de 8 mil americanos morreram em guerras e missões de paz. Portanto, a maior guerra que os EUA enfrentam atualmente é contra os acidentes de trânsito. E, como é uma guerra, temos o imenso sucesso do SUV Hummer, originalmente um veículo de guerra, que acabou caindo no gosto dos consumidores americanos e virou sucesso de vendas. Um veículo de guerra para enfrentar a guerra no trânsito.

Usando dados de 7,5 milhões de acidentes entre 2013 e 2023, The Economist descobriu que, para cada 10.000 acidentes, veículos mais pesados matam 37 pessoas no outro carro, em comparação com 5,7 mortes causadas por carros de peso médio e apenas 2,6 por veículos mais leves. Quanto maior o carro que eu posso comprar, menor a chance de morrer e maior a chance de matar. E, claro, carros maiores consomem mais combustível e geram mais gases de efeito estufa, que prejudicam toda a humanidade. Porém, prejudicam mais os mais pobres, que ou não têm carros ou possuem veículos menores. Uma lógica injusta, individualmente racional, porém, coletivamente irracional. Para romper com essa dinâmica, são necessárias políticas públicas.

No início dos anos 1990, os franceses tinham quase a mesma probabilidade que os americanos de morrer em um acidente de carro por quilômetro rodado; hoje, eles têm três vezes menos probabilidade. Esse fenômeno tem se repetido em toda a Europa, e um dos principais fatores que explicam essa redução é o menor tamanho e potência dos veículos. Os países europeus entenderam que, individualmente, comprar carros grandes pode parecer racional, mas, coletivamente, é um desastre.

Há muito tempo, a Europa vem implementando políticas que desincentivam o uso de carros grandes e pesados, e continua nesse caminho. Em 2022, a França introduziu uma sobretaxa de €10 (US$11) por kg para veículos novos que pesem mais de 1.800 kg. Na Noruega, compradores de carros enfrentam uma tributação de NKr12,50 (US$1,17) por kg acima de 500 kg.

Mas a ideia de que “quanto maior, melhor” não se restringe aos carros americanos; um fenômeno semelhante ocorre com as residências. Na década de 1950, o tamanho médio das casas nos EUA era de aproximadamente 100 m², com uma média de 3,37 pessoas por família, o que representava cerca de 29,7 m² por habitante. Em 2020, o tamanho médio das casas aumentou para aproximadamente 230 m², enquanto o tamanho médio das famílias caiu para cerca de 2,53 pessoas. Isso significa que o espaço per capita subiu de 29,7 m² para 90,9 m² por habitante — um aumento de mais de três vezes em 70 anos.

E o que se ganha com casas cada vez maiores e menos pessoas vivendo nelas? Isolamento. Famílias que não se comunicam mesmo morando sob o mesmo teto. E, claro, casas maiores consomem mais energia e recursos naturais, desde a construção até a operação. O uso excessivo de eletricidade para climatização, iluminação e manutenção tem um impacto ambiental considerável, especialmente em regiões onde o consumo de energia para aquecimento ou resfriamento é elevado.

Além disso, o aumento do espaço habitável também demanda mais materiais de construção, muitos dos quais são ambientalmente prejudiciais, como concreto e aço, cujas cadeias produtivas estão entre as maiores emissoras de carbono no mundo. Se casas maiores não podem sair à rua matando, representam um consumo excessivo que entra em conflito com a necessidade urgente de enfrentar as mudanças climáticas, que já mostraram ter potencial para matar muitas pessoas.

Assim como os carros na Europa são menores, o mesmo ocorre com as casas. No Reino Unido, por exemplo, o tamanho médio de uma casa nova é de cerca de 90-100 m², enquanto na França e na Alemanha varia entre 100-120 m². Mesmo levando em conta que o número de habitantes por residência é menor (2,4 no Reino Unido, 2,2 na França e 2 na Alemanha), o espaço médio per capita nas casas americanas é quase o dobro do espaço nas casas europeias.

Diante dos impactos sociais, econômicos e ambientais gerados pela busca incessante por mais espaço, potência e tamanho, é cada vez mais urgente refletirmos sobre a importância de adotar um estilo de vida mais minimalista. Ou, para ser mais pragmático, seria ideal que a elite econômica brasileira voltasse a se inspirar mais na Europa do que nos EUA, como ocorre atualmente. Pois A ideia de que “quanto maior, melhor” alimenta um ciclo de consumo desenfreado, que não apenas prejudica o meio ambiente, mas também nos aprisiona em um modelo de vida insustentável.

Há um princípio importante a considerar: sempre que possuímos um bem, esse bem também nos possui e nos aprisiona. Optar por uma vida mais simples e consciente, em que priorizamos o necessário ao invés do excessivo, nos liberta desse ciclo. O minimalismo nos ensina que o verdadeiro valor não está no acúmulo de bens, mas na liberdade e na qualidade das nossas escolhas.

Uma nota final: utilizei apenas dados de veículos e residências, mas o consumo excessivo ocorre em quase todas as áreas da vida moderna. A busca pelo melhor, mais caro e mais raro pode ser vista em praticamente todos os aspectos da vida contemporânea. Reduzir o consumo de recursos naturais e buscar uma forma de viver que seja sustentável é o caminho para mitigar os impactos ambientais e construir uma sociedade mais equilibrada e saudável.

Author

É doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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