“Que saudade sinto da vida que me foi tirada pela pandemia. Sinto saudade dos abraços, das minhas turmas de aulas presenciais na universidade, saudade dos bares lotados, de viajar de avião e até mesmo das chatas reuniões presenciais do meu departamento.”

Os romanos usavam uma expressão em latim para descrever esse sentimento, “memoria praeteritorum bonorum”, que pode ser traduzida como o passado é sempre bem lembrado. Temos tendência a usar uma lente cor-de-rosa ao olhar para trás, esquecendo-nos dos problemas que existiam.

Quando penso na minha vida antes da pandemia, me esqueço do longo congestionamento e da dificuldade de estacionar para chegar até a sala de aula para os encontros presenciais. Esqueço-me do mau atendimento dos garçons assoberbados dos bares lotados, das filas e dos cancelamentos de voos, dos lanches horríveis e caros dos aeroportos e dos costumeiros atrasos das reuniões presenciais.

Felizmente nós humanos temos a tendência de olhar para o passado e lembrar apenas das coisas positivas. É isso que faz com que tenhamos tantas saudades das nossas últimas férias, pois só lembramos das coisas boas que vivemos. Isso é fundamental para nossa saúde mental e pode ser chamado de nostalgia

O significado de nostalgia é variado, porém ela pode ser descrita como uma sensação idealizada, e às vezes irreal, de momentos vividos no passado. Visto dessa forma, pode ser algo bastante positivo, porém a tendência de ver o passado muito melhor do que ele foi também gera a de ver o futuro muito pior do que provavelmente ele será. Isso pode gerar o viés cognitivo chamado de declinismo.

Um viés cognitivo é um desvio da norma ou da racionalidade no julgamento ou na tomada de decisões. A construção de uma realidade imaginada, e não objetiva, por um indivíduo ou por uma sociedade pode ditar seus comportamentos através de julgamentos imprecisos ou da falta de lógica em relação a decisões presentes que impactam o futuro.

Como julgamos o passado muito melhor do que ele provavelmente foi, tendemos a ver o hoje pior do que o passado e, assim, supomos que estamos em declínio. Se hoje está pior do que ontem, o amanhã deverá ser pior do que hoje.

Um clássico do declinismo é a obra em seis volumes do historiador inglês Edward Gibbon “A história do declínio e queda do império romano”, publicada entre 1776 e 1788. Para Gibbon, o Império Romano entrou em colapso devido à perda gradual da virtude cívica entre seus cidadãos, que se tornaram preguiçosos, mimados e inclinados a contratar mercenários estrangeiros para lidar com a defesa do estado. Para Gibbon, se nada fosse feito, as grandes potências da Europa caminhariam para um destino semelhante ao do Império Romano.

Outra obra clássica do declinismo foi o best-seller do historiador alemão Oswald Spengler, “A decadência do ocidente: esboço de uma morfologia da história universal”, publicada nos anos de 1918 e 1922. Segundo Spengler. qualquer cultura é um superorganismo com uma vida útil limitada e previsível. Para ele, por volta dos anos 2000, a civilização ocidental entraria no período de emergência pré-morte e em cerca de 200 anos chegaria ao colapso final.

Mas poucas obras ilustram tão bem o declinismo como o livro de 1798 “An Essay on the Principle of Population” de Thomas Robert Malthus. Para Malthus, um aumento na produção de alimentos de uma nação melhora o bem-estar da população, mas a melhoria seria temporária pois levaria ao crescimento populacional, que por sua vez restauraria o nível de produção per capita – o que ficou conhecido como “armadilha malthusiana”.

É incrível, mas mesmo com todos os fracassos das previsões mais pessimistas já feitas ao longo da história da humanidade, ainda continuamos cultivando o pessimismo em relação ao futuro.

Temos dificuldade de ver que ao mesmo tempo em que o homem causa problemas ele tem capacidade para resolvê-los. Quando eu era jovem, era muito popular a ideia de que o petróleo iria acabar. Foi então que escutei uma frase do ministro da Arábia Saudita Ahmed Zaki Yamani, repetida pelo então ministro Delfim Neto: “A Idade da Pedra não acabou por falta de pedra, a Era do Petróleo terminará muito antes que o petróleo acabe”.

O interessante é que o petróleo que parecia fundamental para o modo de vida ocidental, passou a ser visto como o grande vilão da civilização mundial, como responsável pelo aquecimento global. Mesmo hoje temos dificuldade de ver os imensos passos que estamos dando na direção do abandono do petróleo, não pelo seu fim, mas por estarmos encontrando novas alternativas ao combustível fóssil.

Nos Estados Unidos, o sentimento de declínio foi explorado por Ronald Reagan na eleição presidencial em 1980 quando afirmou que o país estava em declínio e criou a expressão “Make America great again”, para afirmar que ele seria a solução para levar o os EUA para o tempo de glória do passado. Com o mesmo slogan e o mesmo argumento, Donald Trump venceu Hillary Clinton, que propunha avançar em direção ao futuro, na campanha presidencial de 2016.

No Brasil, temos dois candidatos à presidência que nos propõem olhar para o passado como um Éden, o jardim do paraíso de Adão e Eva. Um nos remete ao passado da ditadura militar, quando não existia corrupção e tudo era ordem e progresso, e o outro para um tempo mais recente quando “a vida era boa – tinha carne, cerveja e churrasco”.

Nossa enorme capacidade de esquecer os problemas do passado e nossa tendência de acreditar que estamos rumando para o declínio corroboram estratégias que nos fazem olhar para trás.

O Brasil é um país rico, temos uma agricultura moderna e forte, uma população empreendedora, honesta e batalhadora. Temos um país enorme e uma população multicultural e multiétnica. Nosso mercado de capitais é pujante e conta com um arcabouço legal entre os mais avançados do mundo. Temos muitas empresas de classe mundial e nosso sistema financeiro é robusto e inovador.

Por falar em mercado de capitais, não posso deixar de apontar o fantástico crescimento do número de jovens que decidiu entrar no mercado de ações nos últimos anos. Nem nos meus melhores sonhos imaginava ver tamanho crescimento desse mercado, o que é profundamente impactante para nosso futuro.

Sim, temos enormes problemas, mas temos enorme capacidade de avançar. O desafio é encontrar alguém que tenha capacidade de nos fazer olhar para o futuro e não sonhar com um passado que não existiu.

Author

É doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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